Barrigudos

Arquivo : setembro 2013

Cadê o meu leite?
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A produção de leite para uma mulher é como o pênis para o homem. Se o volume é grande, há de se gabar. Se é pequeno, há de se lamentar.

Há duas semanas eu me peguei chorando o leite materno não derramado. Por que depois de quase dois meses de amamentação eu ainda tinha pouco leite? Por que a minha produção não tinha aumentado, mesmo tomando Plasil, Equilid, tintura de algodoeiro, chá da mamãe e bebendo mais de 3 litros de água por dia?

A primeira coisa que lemos em qualquer artigo sobre amamentação é que toda mãe tem leite suficiente para o seu filho. Por que afinal eu não fazia parte dessa regra? Qual era o meu problema? Eu não conseguia parar de me perguntar: “Que espécie de mãe eu sou que nem consegue suprir o filho com o que ele mais precisa?”

Um turbilhão emocional bateu à minha porta. Chorei como mocinha em novela mexicana.

Chorei por culpa, frustração e incompetência. Matias é flex, ou seja, toma leite materno e leite artificial. Mas ele se revelou alérgico à proteína do leite de vaca, que está presente na maioria dos leites artificiais, e precisou trocar de suplemento. O problema é que ele não estava se adaptando bem à nova fórmula. Então pensei: “Por não conseguir amamentar meu filho só com meu leite, ele está sofrendo.”

Mas a verdade é que choros e lamentações me deixaram empacada.

Decidi procurar especialistas em amamentação para entender o que estava acontecendo comigo. Consultei médicos, doulas e enfermeiras. E identifiquei algumas questões que podem ter contribuído para a baixa produção de leite.

Primeiro descobri que chorar não é nada bom para produzir leite. O tsunami emocional só atrapalha o processo. A mãe tem que estar feliz e tranquila para se tornar uma vaca leiteira. E o que eu mais fiz desde que Matias nasceu prematuro e ficou 23 dias na UTI foi chorar e ficar preocupada. Era muito difícil ver aquele serzinho frágil todo entubado e monitorado. Sem contar que eu chorava escondido com medo de perdê-lo. Até hoje acho que não relaxei por completo do trauma hospitalar.

Também aprendi que o normal é que bebês recém-nascidos comecem a mamar em suas mães logo nas suas primeiras horas de vida, para que o leite desça e a produção se estabeleça. Matias demorou quase 15 dias para colocar sua boquinha no meu peito pela primeira vez. Segundo os especialistas, se eu não tivesse tirado leite com a bomba elétrica, nem mais leite eu teria. Meu corpo entenderia que não havia bebê e meu leite teria secado por inteiro.

Outra questão interessante foi descobrir que o poder de sucção da bomba elétrica é menor do que o poder de sucção do bebê, o que limita a produção de leite.

Além disso, o bebê precisa mamar com vontade em cada seio para estimulá-lo a produzir mais.  Matias começou a mamar preguiçoso, já acostumado às mamadeiras na UTI, e eu tinha que complementar a retirada de leite com a bomba elétrica. Para ele, era mais fácil chupetar o peito do que fazer força para tirar algum leite dali.

O mais curioso, porém, foi a revelação de que olhar para o bebê enquanto se amamenta aumenta a produção de leite. É que a admiração da fofura do bebê libera oxitocina, o hormônio do amor, que estimula a descida do leite. Confesso que eu ficava um pouco dispersa durante as mamadas, pensando no celular que tocava, na conta a pagar, na mamadeira para lavar e outras pequenices sem importância. Entendi que amamentar é um momento de curtir o bebê longe dos gadgets tecnológicos, das preocupações, dos pensamentos estressantes.

As conversas com os especialistas também detonaram alguns mitos. Por exemplo, eu achava que só tinha leite quando a mama estava pesada, enrijecida. Ledo engano. Eu não sabia que o leite é produzido na hora da mamada, a partir dos primeiros minutos de sucção do bebê. Isso significava que meu peito também produzia leite quando estava murcho e eu não precisaria esperá-lo encher para dar de mamar a Matias. Ufa! Que alívio!

Parece que nem tudo está perdido para mim em matéria de amamentação. Ainda há algo a se fazer. Mas o principal foi que entendi que um pouco de leite materno é melhor do que nada. Uma médica da UTI me disse: “É melhor você produzir 20 ml por dia até os seis meses de vida do seu filho do que não dar leite materno algum.”

Pelo jeito, estou no lucro. Mas não sou de desistir fácil. Esta semana começarei um novo processo para tentar achar o meu leite. Contarei os resultados aqui no Barrigudos.


A última cruzada
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O post de hoje chegou tarde. Mas há uma boa desculpa. É que eu estava vivendo a parte final da saga “Em busca da mamadeira sagrada”.

Para quem não leu a primeira parte, eis o resumo em duas linhas: Matias precisa de leite especial e tentei, sem sucesso, consegui-lo via governo estadual (o link é este: http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/09/21/em-busca-da-mamadeira-sagrada-ou-o-cacador-do-leite-perdido/).

Mas não desisti. Fiz o que manda a antiga música cantada por Maria Bethânia: “Lutar, quando é fácil ceder, vencer o inimigo invencível!”

Pedi um novo relatório médico à pediatra, desta vez bem comprido, cheio de nomes difíceis e contando a história de Matias tintim por tintim.

Depois preparei minhas armas para a batalha de trincheira: um computador para trabalhar na cadeira de espera e um romance para ler quando cansasse de trabalhar. Além disso, botei sapatos confortáveis e conferi sete vezes se estava com todos os documentos.

Com meu arsenal preparado, botei a mochila nas costas e acelerei meu possante em direção à rua Jequitinhonha.

Desta vez não havia lugar no estacionamento. Mal sinal. Onde há fumaça há fogo, e onde não há vaga há aglomeração. Contei 440 pessoas na sala espera. Aliás, é a maior que já vi.

Às 14h14 peguei minha senha. E quarenta minutos depois, um tempo bem razoável, entregava meus papéis para a atendente.

Seria eu novamente gongado? A pediatra teria feito um relatório comprido o suficiente? As palavras difíceis causariam boa impressão?

Apresento meus documentos. A atende olha-os com cuidado, para ver se não havia nenhum erro. Suo frio como um palestino entrando com passaporte falso em Israel. Por fim, ela não vê nenhum problema, entrega-me uma nova senha e leva a papelada ao médico.

Volto para meu lugar, abro meu computador e ponho-me a trabalhar (nestes tempos de Matias, até tenho gostado de pegar umas filas, porque é a única hora em que posso me concentrar de verdade).

Quarenta e cinco minutos depois vou até a atendente e pergunto se há alguma resposta. Ela diz que até agora não houve nenhum pedido negado. Minha respiração fica ofegante de ansiedade e meus olhos umedecem de esperança.

Mas o tempo passa e nada acontece.

15h15.

16h16.

17h17.

Já cansei de trabalhar no roteiro que estava escrevendo. Como não conheço ninguém e sou ruim para puxar conversa, pego meu romance japonês e começo a lê-lo. Infelizmente o autor gosta de descrever as cenas de comida com muito realismo, e isso atiça minha fome. Eis algo que faltava na minha mochila: alimento. Não como nada desde o meio-dia. Penso em ir até a rua comprar uma deliciosa e engordurada coxinha. Mas e se justo nesta hora me chamam? Não, não posso esmorecer. Mastigarei meus próprios dentes se for necessário, mas não arredarei pé dali.

17h44. No placar eletrônico surge o número 9093. É o meu! Levanto-me emocionado e vou até o guichê. É uma outra atendente. Seu nome é Maria. Ela fica olhando alguns papéis e demora para revelar o veredito. Será uma masoquista? Sim, deve ser. Consigo imaginá-la numa roupa de couro e segurando um chicotinho.

Então, lentamente, seus lábios se abrem e escuto a frase mágica: “Seu processo foi aprovado”.

Ouço trompetes dando vivas e vejo fogos de artifício explodindo no céu. Sim, eu consegui. Pergunto o que devo fazer, quando devo voltar para pegar as latas, etc…

Mas Maria, que agora me parece a santa progenitora (até posso imaginá-la de véu azul) diz que devo apenas assinar no “x” e já posso levar o leite agora.

Fico pasmo. Já? Não terei que esperar um mês?

Não. Ela me passa uma caixa sobre o guichê. O leite do neném está garantido. É a glória! Consegui vencer a burocracia. O Estado me deu algo em troca de meus impostos.

Enquanto volto para casa, nem reclamo do congestionamento da marginal. E os faróis dos carros parecem pirilampos que dançam para comemorar minha vitória.


“Em busca da mamadeira sagrada” ou “O caçador do leite perdido”
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Por estes dias tive uma notícia boa e outra ruim.

A ruim é que Matias precisa de um tipo de leite em pó muito caro. Um gasto de quase 300 reais por semana.

A boa é que o governo estadual tem um programa que fornece este leite gratuitamente.

Quase não acreditei quando ouvi isso. Então fui checar na internet e vi que há trinta unidades estaduais de saúde responsáveis pelo “fornecimento de medicamentos excepcionais”. Nada mal.

Destas trinta, cinco estavam na cidade de São Paulo. Nada mal.

Mas, desta cinco, três estavam em hospitais e só forneciam medicamentos para seus. Aí já começa a complicar.

E, dos dois lugares que sobraram, o começo do processo tem que ser feito apenas em um, o AME (Ambulatório de Especialidades Médicas) Maria Zélia. Isso já é ruim. Uma cidade com mais de dez milhões de habitantes não pode ter apenas um lugar para fornecer estes remédios.

E, para meu azar, o ambulatório está a mais de 30 km de casa.

O Maria Zélia fica no Belenzinho e tem 694 funcionários, 41 consultórios, duas salas de cirurgia e 30 especialidades médicas. Além da farmácia de alto custo, que era o que me interessava.

Ele é enorme, dentro de uma área verde, e para minha surpresa, havia várias vagas para estacionar.

Passando pelas primeiras salas vi filas modestas e já fui pensando: “Vou usar um serviço público eficiente e com rapidez. Te cuida, Suécia!”.

Mas, quando cheguei à sala da farmácia de alto custo, me deparei com centenas de pessoas.

Peguei minha senha, tirei meu livro (levei um romance japonês de 400 páginas para passar o tempo) e me sentei, esperando a chamada.

Para minha surpresa, não demorou muito.  

Uma atendente foi pedindo os documentos e eu, orgulhosamente, entregava-os todos. RG, CPF, Certidão de nascimento, receita, relatório médico, ficha de avaliação devidamente preenchida, etc… Tudo nos conformes. Senti a rara alegria de estar com toda a burocracia em ordem.

Então a atendente juntou todos os papéis e disse: “Vou levar para o médico”.

Achei aquilo estranho. A palavra da minha pediatra não bastava? Ela explicou que um médico do AME tinha que aprovar tudo.

Não vi problema, abri meu romance japonês e fiquei esperando.

Eis que, depois de algumas páginas, a recepcionista volta e diz: “Seu pedido não foi aceito.”

“Por quê?”

“Está tudo aqui”, ela me disse apontando um bilhete mandado pelo médico.

Ele havia escrito o que eu deveria trazer: “Relatório médico legível, com descrição detalhada do quadro alérgico. Criança em idade de aleitamento materno exclusivo, justificar a intersecção do mesmo.”

Fui ver se não havia um relatório médico legível. Havia. Conforme mostraram os exames, a pediatra, num trecho de sua petição, escreveu: “Paciente apresenta quadro de sangue nas fezes, sendo necessário o uso de fórmula de hidrolisado proteico.”

Noutro trecho explicava que “a mãe não tem leite materno.”

Ou seja, havia a descrição do quadro alérgico, explicitado pela presença de sangue nas fezes, e a afirmação de que a mãe não tinha leite.

Mas era como se ele nem tivesse lido.

Fiquei pensando nos motivos que levaram o médico a negar o pedido e cheguei a quatro hipóteses:

a-) Há muitos pilantras tentando conseguir o leite para revendê-lo e o médico tem que evitá-los.

b-) Complexo de zelador. Ou seja, ele sente a necessidade de mostrar algum poder, e esse poder quase sempre se dá por alguma proibição.

c-) Ele tem que negar um certo número de pedidos para mostrar-se útil, de forma que seu cargo não seja extinto.

d-) Sadismo.

Meu palpite é que seu ato foi motivado por 45% de “c”, 39% de “b” e 10% de “d” e 6% de “a”.

A atendente, para me consolar, explicou: “É muito comum eles negarem o pedido na primeira vez. Aí vem um relatório maior e eles liberam.”

Na hora lembrei de um professor de Literatura Portuguesa. Na minha primeira prova na faculdade de Letras, ele me deu uma reles nota 3. Aí os veteranos me explicaram: “Para esse cara você tem que escrever bastante. Faz o texto e depois repete tudo de novo.”

Foi o que fiz. Na minha opinião, minha nova prova tinha sido péssima. Prolixa e repetitiva. Mas tirei 7 e passei de semestre.

Voltando à vaca fria, agora terei que voltar à pediatra, pedir um relatório mais comprido e retornar à fila.

Foram 67 km rodados à toa. Para mim não foi um sacrifício, pois fui com meu carro. Ele tem mais de 120.000 km de idade, mas me levou e trouxe com conforto.

Porém, pense num sujeito que perdeu um dia de trabalho para vir de Parelheiros até o AME Maria Zélia, e terá que repetir tudo de novo porque o médico tem prazer em negar um pedido totalmente legítimo e documentado.

Assim fica difícil amar Maria Zélia.


Nossa inimiga, a vaca
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A vaca é um animal sagrado para os indianos. Há até um refrigerante de urina de vaca, e suas fezes são usadas em rituais. Lá, ela é considerada mais “pura” que os sacerdotes, a casta mais elevada da sociedade indiana.

Mas a vaca não adianta nada para Matias.

Fizemos uns exames por esses dias e tudo indica que ele tem uma certa alergia ao leite de vaca. E este leite está presente na fórmula do leite artificial que ele está tomando.

Tudo começou quando encontramos umas pintinhas de sangue no seu cocô (veja o texto anterior: ).

Segundo a pediatra, isso é muito comum em prematuros, pois seus intestinos são muito frágeis. E, se não tratada, esta alergia pode levar a um quadro de anemia pela perda constante de sangue.

Assim, tivemos que trocar de leite. Agora, Matias passou a tomar um tipo especial, livre de leite de vaca. E eu passei a não poder comer alimentos com leite e derivados porque continuo (ainda bem) dando o pouco de leite materno que tenho. Adeus queijos, até um dia iogurtes, quem sabe nos veremos no futuro, café com leite.

Ao que parece, este leite custa uma pequena fortuna. Amigos nos disseram que cada lata de 400 gramas sai por volta de 140 reais. Ou seja, teremos que gastar uns trezentos reais por semana. Mas  já no disseram que há um programa de subsídio do governo. Se conseguirmos usá-lo, informaremos aqui.

Mas o pior não é o preço. O pior é que Matias não aceitou esse leite muito bem. Agora está mamando apenas metade do que mamava. Dos 120 ml a cada três horas, passou para 60 ml. Às vezes menos.

Além disso, sua mamada está bem mais lenta. Ele perdeu aquela voracidade que tinha pelo leite anterior. É como se ele tivesse trocado uma espetacular paella por um reles chuchu cozido.

E, se o novo leite é difícil de entrar, é mais difícil ainda de sair. Matias quebrou seu recorde de abstinência cocozal. Está há a mais de 40 horas sem nos presentear com aquele seu acarajé, com aquela sua sopa de mandioquinha. Queremos seu cocô spray de volta!

Ele faz força o dia todo, mas nada. Só quando dorme há uma trégua em suas entranhas.

Sentimos como se tivéssemos voltado no tempo, lá pelas épocas de UTI. A preocupação que ele aceite este novo leite é enorme. Ele estava ganhando peso muito rapidamente com o outro leite e seu apetite nos deixava tranquilos. Agora, estamos apreensivos, em dúvida, lamentando o leite não derramado.

A vaca, quem diria, é nossa inimiga.

 

PS: Depois de 45 horas e de um supositório de glicerina, Matias fez cocô. Ufa! Mas há que ver se o problema continua.


As emoções de uma ida ao pediatra
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Ir ao pediatra é como um plantão de dúvidas sobre química orgânica para um vestibulando, ou seja uma chance de fazer milhares de perguntas.

Pois bem, esta semana levamos Matias à sua pediatra. Num caderninho tínhamos 14 perguntas anotadas. Desde “O que é esta manchinha branca” até “Estamos colocando muita roupa nele?”

Os pediatras talvez sejam os médicos mais pacientes da classe médica. Para suportar as perguntas dos pais, há que ser um tanto monge budista.

No fundo, tudo o que um pai quer é ouvir que ele está fazendo tudo certo e que seu filho está lindo e perfeito.

Se os pais não aprenderam na escola que não há pergunta boba, aprendem no consultório do médico. Lá não há timidez, não há espaço para dúvidas. Perguntamos o que é cada cisco, cada pintinha, cada tipo de arroto do bebê.

E lá vai o pediatra pacientemente respondendo o que já deve ter respondido um milhão de vezes.

Desta vez perguntamos coisas como: Ele tossiu ao dormir, é refluxo? O cocô saiu mais escuro, é normal? Quantas vezes podemos dar este remédio por dia? Tem um remédio menos amargo que aquele? Ele gosta de dormir mais do lado direito, tudo bem? Há uma vermelhidão por baixo de onde ajustamos a fralda, será alergia? Essa manchinha vermelha no olho vai sumir? Aliás, já dá para saber de que cor serão os olhos dele? 37,1 graus já é febre? Qual o limite de leite por mamada? Mesmo em dias muito frios temos que lhe dar banho?

Todas as respostas para nossas perguntas foram tranquilizadoras. Então passamos à fase seguinte, que é a pesagem do bebê. Ela corresponde mais ou menos à prova de redação no vestibular. É uma chance para tirarmos uma bela nota ou para sermos reprovados.

Ficamos de olho nos números vermelhos da balança. Eles iriam dizer se Matias ganhou o peso necessário ou não. Para nosso azar, ele fez um cocozão antes de sair de casa, com o que perdemos boas gramas, e por isso estávamos tensos.

Mas mesmo assim passamos com louvor. Matias ganhou quase 800 gramas em 15 dias. Pena que esquecemos de levar rojões.

Estava tudo divino maravilhoso, como na música cantada pela Gal. Mas, quando já estávamos saindo, Rita lembrou de uma última pergunta, que estava no verso da página de nossa lista.

“Vi uma gotinha de sangue no cocô dele. É de fazer força?”

Uma sombra passou pelo rosto da pediatra, que disse: “Eu já ia dar alta para vocês, mas agora teremos que fazer uns exames para investigar o que é isso. Pode ser uma intolerância ao leite de vaca. E isso pode gerar uma colite. Se nos próximos dias sair muito sangue alguma vez, não se assustem.”

Eu nem sabia que havia leite de vaca na fórmula do leite artificial. Para mim era só química. De repente me senti ignorante.

E eu me senti com muito medo e culpa. Se eu não estou conseguindo produzir leite materno suficiente e ele está precisando tomar complemento, o que ele vai tomar?

Agora estamos apreensivos com o resultado dos exames. Será que ele não poderá mais tomar a fórmula? Essa intolerância ao leite, se comprovada, pode durar muitos anos e prejudicá-lo?

Já fomos ao pediatra, ao nosso plantão de dúvidas.

Agora teremos que enfrentar os exames de química orgânica. No caso, os exames de Matias.

Só aí sentiremos o alívio da aprovação. Ou tomaremos bomba.


Matias está falando!
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Não, não é que ele seja um bebê precoce, um gênio de fraldas. É que ele fala através de caras, bocas, gestos, sons e choro. Muito choro.

Como pais de primeira viagem, ficamos um tanto perdidos com os sinais que ele nos dá. Qual a diferença entre o choro de fome e o choro de cólica? Quando ele enruga a testa é sensibilidade à luz ou sinal de que está enfezado?

O único sinal que eu conheço é o bocejo, porque tenho feito muitos desde que Matias nasceu.

O ideal seria que criassem um Baby Translator, uma máquina que pudesse traduzir instantaneamente a linguagem dos bebês.

Assim, era só Matias fazer algum grunhido que o Baby Translator o traduziria como “Quero mamar”, “Fiz cocô” ou “Me deixe pelado, sou um nudista”.

Eu li que um pessoal da Universidade Brown, nos Estados Unidos, está quase chegando lá. Mas enquanto a tecnologia não avança, recorremos aos livros. Em um deles encontramos uma tabela que decodifica os gestos, sons e choro dos bebês.

Mas não deu muito certo. Provavelmente porque o livro é norte-americano e os bebês de lá gemem em inglês.

De qualquer forma, com o tempo fomos melhorando nosso vocabulário bebeliano.

Por exemplo, soluço quase sempre é frio. Já quando ele passa as mãos pelo rosto insistentemente é cólica.

O choro sem lágrimas que ele faz quando estamos mudando sua roupa significa: “Soltem-me, seus torturadores! Por que vocês têm que me colocar dentro desses bodies-de-força?”.

Além do choro e dos gestos, há uns barulhinhos diferentes. Os bebês prematuros fazem alguns sons diferentes dos bebês a termo. São uns grunhidos que lembram vários animais, como cabritinhos, galinhas, golfinhos e pôneis.

É como se tivéssemos uma fazendinha em casa. Se é que alguma fazenda tem golfinhos.

Até agora sabemos que o barulhinho do tipo relincho é como uma reclamação ao acordar, como “Me deixem dormir!” ou “Mais cinco minutinhos, por favor”. Já durante o sono ouvimos o barulhinho tipo cabritinho, que deve significar “Estou dormindo profundamente, não me acordem”. E desconfiamos que o cacarejar seja “Troquem minha fralda, escravos!”.

O som de golfinho ainda é um mistério. Talvez só Flipper possa traduzi-lo.

O pior é tentar identificar o choro. Dá até vontade de chorar por não entender o que ele significa.

Mas um tipo de choro a gente já conseguiu captar: é o choro por colo.

Ele sempre acontece quando Matias está no berço e percebe que estamos por perto. Aí ele chora bem alto e com gritos longos.

Mas para imediatamente quando o pegamos no colo.

Na verdade, Matias ainda não está falando. Mas já sabe fazer chantagem emocional.

 

 


Inutilidades ultra úteis
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(Rita escreve em preto, Torero em azul)

 

Pensei que eu seria um pai anticonsumista. Nada de inutilidades tecnológicas e frescuras moderninhas comigo. Eu seria simples, estóico, um pai que usaria apenas suas mãos nuas para cuidar de seu filho.

Eu pensei que seria uma mãe à antiga, fazendo as coisas por mim mesma, sem nenhum recurso eletrônico. Não chegaria a usar fralda de pano, mas quase.

Porém, ganhamos alguns apetrechos high tech de amigos e nos rendemos.

Para quê viver como no século XIX se estamos no século XXI? Este “I” que sai do meio e vai para a ponta direita tem que fazer alguma diferença.

Eis aqui alguns acessórios inúteis que se revelaram muito úteis:

Termômetro de água: Quando Rita quis comprar um, eu protestei: “Era só o que faltava. Basta colocar o dedo na água e já sabemos a temperatura. Se meus pais não precisaram disso, eu não vou precisar”.

Ah, quanta ingenuidade. Só depois que ganhamos o tal termômetro (que tem o formato de uma prancha de surfe) é que vimos como calculávamos mal a temperatura da água.

Não é à toa que Matias ficava molinho depois do banho. Deixávamos a água um tanto acima da temperatura ideal. Ele tomava não só um banho, mas também uma sauninha relaxante.

Termômetro de orelha: Eu nem sabia que isso existia. Parece coisa de Jornada nas Estrelas (aliás, como o celular, que lá se chama transcoder). Mas é um treco muito útil. Você não precisa ficar segurando o bracinho do bebê enquanto o termômetro faz seu trabalho. Ele solta uma luzinha e pronto, já mediu a temperatura. É rápido, eficiente e silencioso. O contrário do Congresso.

Babá eletrônica: Ideal para pais escritores. Quando Rita desaba, digo, tira uma sonequinha, eu posso ficar escrevendo e de olho em Matias ao mesmo tempo. Qualquer barulho ou movimento e lá vem a imagem do pequeno. Com isso dá até para tomar banho de vez em quando.

Miniberço: Quando o vimos pela primeira vez, achamos uma inutilidade. Para que um berço tão pequeno? É melhor um grande, que fica com ele por mais tempo.  Mas não sabíamos que teríamos um prematuro. Então alugamos um, que fica do lado de nossa cama. Nestes dois primeiros meses, é bom ter o Matias ali do lado.

Álcool-gel: É ótimo para aquela última desinfetada antes de pegar no bebê. Deixamos bem perto do berço. E, quando chego da rua apressado e esqueço de lavar a mão, sempre dá para disfarçar e dizer que ia passar o álcool-gel.

Papel-toalha: Não pensávamos que seria útil para bebê, mas é ótimo ter um rolo por perto na hora da troca. Ainda mais se o seu pequeno faz um perigoso cocô spray de vez em quando. Também é útil quando Matias faz xixi no meio da troca de fraldas, molhando tudo ao redor, inclusive eu, como se fosse um hidrante quebrado.

Cotonete especial: Ele tem uma ponta mais fininha, e assim é útil para tirar cotocos do nariz e cerotos mais profundos. De vez em quando até roubo alguns para uso próprio.

Ofurô: Na verdade é um grande balde transparente. Mas Matias gosta de tomar banho nele porque fica quase todo imerso.

É claro que nada disso é essencial. Nossos tatatatatataravós nem tinham energia elétrica, e conseguiram criar nossos tatatatatavós.

O amor dos pais ainda é a melhor tecnologia.

Mas, entre os Jetsons e os Flintstones, prefiro ficar com os primeiros. Embora, mesmo com toda a eletrônica, estejamos mais para os Simpsons.

 


Viva o cocô!
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“O cocô é nosso amigo

O cocô é nosso irmão

Às vezes fica no umbigo

Mas é só passar sabão.”

Essa é uma musiquinha que fiz um dia desses enquanto limpava Matias. Já estou tão íntimo do seu cocô que consigo limpá-lo cantando.

Antigamente eu tinha nojo de cocô. Até do meu. Mas hoje o cocô faz parte da minha vida. O cheiro já não me incomoda, a visão já não enoja. Cocô é só cocô.

Por conta da consistência pastosa e da cor, Torero chama o cocô de Matias de acarajé.

Num bom dia, Matias pode fazer cocô até oito vezes. E uma dessas vezes pode ser um cocô a jato. Na primeira vez que vi isso, lembrei do filme “O exorcista”. Só que, em vez de vômito, Matias ejetava cocô. Mas ele não estava possuído, acho. Naquela primeira vez ele esguichou longe, atingindo todos os nossos apetrechos do trocador e chegando até a parede.

É o que eu chamo de “cocô spray”.

Pensamos que nunca mais iria acontecer, mas, por via das dúvidas, tiramos os apetrechos do trocador (fraldas, cremes, algodão, cotonetes, garrafa térmica, etc…) da linha de, digamos, tiro.

Porém, logo depois ele acertaria a parede uma segunda vez e uma terceira. O pior é que é uma daquelas paredes com textura. Gastamos um bom tempo limpando tudo.

A saída foi usar contact transparente.

Pensamos que, depois do contact, pela Lei de Murphy ele nunca mais faria seu cocô spray. Mas o plástico na parede já nos salvou duas vezes.

Chegamos até a pensar em comercializar uma linha de contact anti-cocô spray. Em vez de transparente, ele poderia ter um alvo com marcações de pontos. Ou o Congresso Nacional.

O curioso é que ficamos íntimos do cocô de Matias. Pela cor e pela consistência sabemos se ele foi feito mais de leite artificial ou mais de materno. E sempre em tons amarelados.

É terrível quando ele faz cocô durante a troca ou quando vaza para a roupa. Dá um trabalho danado. Mas o pior é quando o cocô não vem.

Recentemente, Matias ficou quatro trocas sem fazer cocô. Foi um problema. Ele continuava comendo bem, mas chorava com cólicas e nada. De vez em quando, fazia um punzinho e só.

Fiquei preocupado. Será que teriam que passar uma espécie de roto-rooter no meu filho? Recorreríamos aos antigos clisteres? Haveria um terrível aspirador cocozal?

Ligamos para a pediatra. Ela disse que aquilo era normal e que, se ele não fizesse cocô até o dia seguinte, usaríamos supositório para ajudar.

A palavra supositório caiu nos meus ouvidos como uma bomba. Memórias de infância foram desenterradas e me lembrei o quanto eu sofria. Segundo minha mãe, eu fui uma criança “ressecada”. O cocô não era meu amigo. Desejei muito que meu filho não tivesse que passar por isso. Fizemos massagem na barriguinha dele, cantamos as músicas pró-cocô inventadas pelo Torero e até ensaiamos com Matias uma dança para a divindade pastosa.

Deu certo. Durante a madrugada, no meu turno de troca e mamada, lá estava ela, a fralda cheia e amarelada, transbordando cocô body afora. Em outra circunstância, eu teria ficado enfezado de ter que limpar tudo, trocar toda a roupa de Matias, depois higienizar o trocador com álcool e por fim colocar suas roupas de molho para lavar. Mas eu estava feliz.

Matias voltou a ficar tranquilo durante o dia e mostrou fraldas carimbadas na maioria das trocas.

O cocô era, de novo, o nosso amigo.

 

(Hoje, Torero escreveu em azul e Rita, em preto)


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