Barrigudos

Arquivo : novembro 2013

O primeiro dia longe de Matias
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Nesta última quarta-feira participei do programa “Encontro com Fátima Bernardes”. Ele foi gravado ao vivo no Rio de Janeiro e falou sobre prematuros.

Matias não podia ir comigo. Por causa dos baixos glóbulos brancos, ele ainda não pode ficar em ambientes como aeroporto e avião. Torero também não conseguiria ir ao programa, porque fazia uma séria de palestras pelo interior.

Tive que deixar Matias com minha mãe. Mas, mesmo assim não fiquei tranquila. E se ele vomitasse? Se tivesse febre? Se não mamasse direito? O que fazer se ele chorasse sem parar?

Na noite anterior preparei uma mala gigante com tudo o que ele poderia precisar: fraldas, lenços umedecidos, creme para assaduras, paninhos de boca, mamadeira, leite, bodies e mijões extras, meinhas, um casaquinho caso esfriasse, um cobertor, um lençolzinho, uma mantinha, os remédios com instruções de uso e horários, um termômetro , uma chupeta (que ele não gosta, mas vai saber?) e um esterilizador de mamadeira. Fora o bebê conforto e o carrinho, claro. Afinal de contas, eu ficaria fora por oito horas.

Deixei Matias de madrugada na casa dos avós. Beijei várias vezes seu pezinho e saí com o coração na mão. Depois que fiz o check-in, liguei para minha mãe para saber se estava tudo bem. “Ele está dormindo”, ela me disse. Ufa, pelo menos dormindo ele não sentiria minha falta.

Já dentro do avião, antes da decolagem, me bateu um arrependimento. Como assim eu estava indo longe, para outra cidade e deixando o meu filho? Que espécie de loucura tinha dado em mim? Senti um aperto no peito e comecei a chorar. Chorei um choro silencioso, em respeito ao executivo que dormia babando do meu lado. Lágrimas rolavam dos meus olhos vermelhos. Era um misto de culpa e saudade. Durante o voo fechava os olhos e via Matias rindo, aquele sorriso dengoso de canto de boca que ele dá quando acorda. E eu só pedia para que meu filho ficasse bem.

Cheguei ao Rio. Logo que saí do avião liguei para minha mãe para saber como Matias estava. “Continua dormindo” e eu, feliz, respirei aliviada, torcendo para que ele ficasse o dia todo assim, sem perceber a minha ausência. No caminho para o Projac, só deu Matias no papo com o motorista do táxi. A vontade de chorar ia e vinha, e eu usei óculos escuros para esconder a vermelhidão e o inchaço dos olhos.

Nos bastidores do programa conheci outras mães que tiveram seus bebês prematuros e que, assim como eu, viveram a traumática experiência da UTI. Enquanto nos maquiavam, arrumavam nossos cabelos e nos embelezavam para entrarmos no ar, pude conhecer a história de cada uma e trocar experiências. Então começamos a mostrar as fotos dos nossos bebês.  Foi quando meu olho voltou a marejar e a maquiadora, em tom descontraído, me deu a maior bronca: “Nem pense em borrar esse olho e estragar todo o meu trabalho!” E continuou: “Não foi fácil apagar essa vermelhidão e esse inchaço nos olhos.” Em respeito a essa mulher que fez milagres, segurei o choro.

Quando o programa acabou, havia uma mensagem da minha mãe no celular: “O Matias te reconheceu na tevê. Quando você apareceu, ele gritou ‘Angu, angu!’ e mexeu os bracinhos”.  Que fofo… Por mais que isso possa parecer impossível, uma parte de mim gostou de imaginar que meu bebê de quatro meses já me reconhece na tela.

Depois disso, eu ficava ligando para minha mãe de tempos em tempos para saber notícias de  Matias. Ela já nem falava mais “Alô”. Atendia ao telefone com frases como “Acabou de mamar tudo”, ou então “Fez um cocozão, troquei a fralda e fez outro cocozão”, ou ainda “Ele está na sala, brincando com o avô”. Como ela sabia que era eu do outro lado da linha?

Consegui adiantar meu voo. Não via a hora de beijar meu bebê.

Na volta, Matias estava bem, feliz, e meus pais melhores ainda, porque ficaram com o neto por bastante tempo.

Eles até disseram: “Você precisa sair mais vezes e deixar ele aqui.”

Nunca mais!

 

P.S.: para quem quiser conferir, o link do programa é este aqui: http://globotv.globo.com/rede-globo/encontro-com-fatima-bernardes/t/programa/v/maria-rita-teve-o-matias-com-7-meses-e-meio/2981634/

 


A UTI não me pegou de surpresa
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(Em geral só as mães contam suas histórias de UTI. Mas hoje será diferente. Quem vai contar sua história é um pai de UTI, o Fernando, pai de Bento. Um pai que já sabia que seu filho seria prematuro.)

 

Bento2

 

A UTI não me pegou de surpresa. No fundo, eu desejei chegar nela e, depois, sair dela o mais rápido possível, obviamente com o meu bebê no colo. Explico:

Na 24ª semana, minha esposa teve uma cólica renal, por volta da meia-noite, e fomos direto para o pronto socorro. Depois de umas quatro horas, com ela já medicada e com a dor quase superada, e eu já desmaiado na cadeira do PS, o plantonista decidiu fazer uma US apenas para checar se estava tudo bem com o bebê. Não estava tudo bem!

Como assim? Sempre esteve! Pois é, o quadro havia mudado…

O líquido amniótico estava baixo, bem baixo. Cogitaram interná-la, mas os dopplers estavam bons. Do PS ligaram para o nosso médico. De imediato, ele desconfiou, pois realmente estava tudo muito bem na 23ª, mas, precavido, pediu repouso absoluto e que realizássemos um novo exame, no mesmo dia, para confirmação.

Lá fomos nós pra casa, 5h ou 6h da manhã, arrebentados de tudo quanto é forma. Puxa vida!

Na hora do almoço, novo exame pronto e confirmado o problema – líquido amniótico abaixo do mínimo e início de uma restrição de crescimento intrauterino devido à insuficiência placentária. Minha esposa foi afastada, de imediato e em definitivo, do trabalho.

Nosso médico, com franqueza, disse que o quadro era delicado e que, se acreditássemos em algo superior, deveríamos começar a rezar e rezar muito. Tecnicamente, ele faria o melhor possível. Disse, ainda, que seria um milagre chegar na 28ª semana e que ele trabalharia para chegar na 26ª, quando o bebê se torna “viável”. Recomendações: 5 litros de líquido por dia entre isotônicos, água de coco e água, além de repouso absoluto, deitada o tempo inteiro.

Nossa, nós choramos muito naquele dia. Eu me recordo de nunca ter sentido algo tão doloroso, afinal, antes desta gravidez, já havíamos perdido outra – e estávamos a quase três anos tentando. Chorei com meus sogros, meus pais, meus amigos mais próximos, chorei muito.

Por força do destino e dos amigos, eu também me afastei do trabalho e o trabalho também se afastou de mim, pois não tinha como não ser assim, não tinha como “continuar” tudo normalmente. Não tinha nada mais importante que minha esposa e meu bebê.

Exames de ultrassonografia tornaram-se rotina, praticamente dois por semana. Chegamos na 26ª semana.

Nela, os dopplers continuavam bons, apesar do bebê não engordar e não crescer. A tentativa agora era a 27ª semana. Chegamos!!!! E assim foi… 28ª, 29ª, 30ª, 31ª. 32ª… todo dia era as mãos na barriga, as mãos ao céu. A cada semana uma nova expectativa, um problema novo ou uma notícia mais estável.

Nos exames da 33ª, os dopplers começaram a “capengar” e para evitar sofrimento o parto foi marcado para o dia 17/07/2013, na 34ª semana. Estávamos preparados para receber o bebê com 1200 kg, 38 cm, encarar dois meses de UTI, entubação e afins. A verdade é que entre a 24ª e a 34ª, em todas as consultas, o médico nos preparava para a UTI.

E eu nem sei e nem consigo detalhar o que foi viver 24h por dia, durante todas essas semanas, pensando em uma única coisa. Foram exatos 3 meses assim!

Bento chegou! Pequeno (40 cm), magro (1535kg), roxo, sem choro, no limite, limite do tempo.

Entre a retirada dele do útero até alguma notícia passaram-se dez minutos. Dez minutos infernais, com minha esposa querendo saber como as coisas estavam e eu sem saber o que falar, pois eu vi apenas uma bolinha roxa e silenciosa saindo e sendo levado para outra sala. Quando a enfermeira voltou, com o Bento no colo, enrolado em um paninho, sem entubar, e o colocou no colo da minha esposa, sentimos que ele sorriu para nós. E nós choramos! Sabíamos que ter chegado até aquele momento tinha sido uma grande vitória. Minha esposa só conseguiu dar um beijinho nele e falar: Deus te proteja!

Foram 29 dias de UTI, metade do tempo que estávamos esperando, muito tempo para o que vivemos e vimos. Nós mudamos de casa – fomos morar mais perto do hospital. Contei dia após dia cada grama ganha ou perdida, cada mililitro de leite bebido, cada procedimento realizado. Encaramos duas transfusões de plaquetas e uma de sangue. Vibrei por outros pais que recebiam notícias boas. Vi bebês em circunstâncias mais críticas que as do Bento saindo do hospital no colo dos pais – a emoção é indescritível. Lastimei cada notícia ruim que escutei.

É difícil, não tem como se preparar antes, não somos uma máquina programável. Uma ala de UTI Neonatal é uma loucura, te traz conforto e dor, silêncio ou muito barulho dos equipamentos, tudo no início é um desconhecido assustador. Tem é que ter muita fé, para as coisas de Deus e para as coisas da ciência, e muito amor – para o que der e vier.

Para nós, Bento veio para casa forte, firme, lindo e enche nossas vidas de alegria e sentido – passamos por tudo isso por algum motivo, que não sabemos bem qual é, mas confiamos que tenha sido necessário. Hoje, o Bento está, novamente, uma bolinha, mas agora é de um banguela sorridente e gordinho.

Fernando Elias Penedo

 

(Se quiser contar uma história de mãe ou pai de UTI, mande seu texto para torero@uol.com.br)


Encontro com Barrigudos
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O programa “Encontro com Fátima Bernardes” de hoje falou sobre prematuridade e os Barrigudos estiveram por lá.

Para quem quiser conferir, aqui vai o link:

http://globotv.globo.com/t/programa/v/maria-rita-teve-o-matias-com-7-meses-e-meio/2981634/


Um belo video
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No link abaixo, um vídeo excelente sobre um bebê prematuro:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=EEPHLC6dMGA

 


Matias precisa entrar no eixo
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fisioterapia

Esta semana Matias começou a fazer fisioterapia para o pescoço. Sua cabeça estava mais inclinada para um dos lados. Poderia parecer que ele estava fazendo charme, olhando meio de lado para as pessoas. Mas não. Era um problema mesmo. E a médica sugeriu que fizéssemos algumas sessões de fisioterapia.

Não seria uma novidade para ele. Na verdade, Matias, para sua idade, é um veterano nessa terapia. Um prematuro, durante sua estadia na UTI, faz fisioterapia todos os dias na incubadora. Mexem em suas pernas, em seus braços, viram o bebê para lá e para cá. Além disso, os prematuros com dificuldades respiratórias precisam dos fisioterapeutas para procedimentos como aspiração de gosmas e melecas. E outras coisas mais.

Mas, quando se é bebê, a fisioterapia não é um sofrimento, não é aquele aperta-e-empurra. É uma grande brincadeira. Uma brincadeira de estica-e-puxa. A ordem é brincar. Brincar para mexer, brincar para alongar, brincar para curar.

Também não são usados aqueles apetrechos que mais lembram instrumentos de tortura, que dão choques e causam dor. Aqui, os aparelhos são bem diferentes: brinquedos. Muitos brinquedos. Por exemplo, chocalhos barulhentos. A fisioterapeuta usa-os para fazer Matias virar a cabeça. Coloca-o no lado direito, fora de seu campo de visão, e faz um barulho para que ele vire sozinho a cabeça. Depois faz o mesmo no outro lado.

Para chamar a atenção de Matias, a fisioterapeuta Monaliza (que tem um sorriso franco e nada enigmático) também utiliza uma arma poderosa: os pais. A mãe – ou o pai- tem que acompanhar as sessões com seu bebê. Matias está com quatro meses (três na idade corrigida) e, para minha surpresa e felicidade, já me reconhece como mãe.  Ou cuidadora, vai saber. Então, quando faço algum movimento diferente ou saio de sua visão, ele percebe. Assim sigo as instruções de Monaliza, coisas como “Agora converse com ele do lado direito” ou “Acalme-o no seu colo por alguns minutos”. Ou ainda “Não se mexa agora, senão ele sairá da posição de alongamento”.

Matias não fica quieto, bonzinho e risonho durante o tempo todo da sessão. Tem horas que abre o berreiro. E quando o bebê fica estressado ele não alonga, não estica, não coopera. Aí o jeito é parar tudo, acalmá-lo e desestressá-lo, para só então voltar a fazer os exercícios. Esse é um processo que pode durar um bom tempo. E descobri que Monaliza possui a paciência de um monge budista.

As sessões de fisioterapia com bebês não são cronometradas como treinos de classificação na Fórmula 1. São imprevisíveis como as corridas. A gente tem uma ideia do número de exercícios que tem que fazer, mas o tempo que demorará é um mistério. Há incidentes no meio do caminho. Por exemplo, uma pausa inesperada para um cocô. Ou o começo de uma crise de cólica. Ou ainda um soninho que quer se instalar. Não tem jeito. É preciso ser flexível e adaptar o ritmo das sessões ao bebê.

Não dá para saber se Matias tem gostado ou não. Na primeira sessão ficou muito ligado e demorou para dormir quando tudo terminou. Mas na última ganhou um exercício que teve como base um banho de ofurô com ervas e ficou calminho, relaxado. No final dormiu tão profundamente que nem acordou direito para mamar, quatro horas depois.

Mas gostando um pouco ou muito, o que importa mesmo é que a fisioterapia dê resultado para o nosso bebê.  Por enquanto, a inclinação de Matias para um dos lados tem rendido boas piadas sobre suas futuras preferências políticas, mas, a longo prazo, poderá atrapalhar um bocado a sua estrutura e o seu aprendizado de andar. Tomara que Matias não demore muito para entrar no eixo.


A história de Catarina, a dona do pezinho abaixo
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As histórias de mães e pais de UTI são tão emocionantes e únicas que eu e Rita decidimos que não deveríamos contar só a nossa. Assim, a partir de hoje, todas as quintas-feiras teremos um texto escrito por um pai ou uma mãe de prematuro. Para abrir esta nova seção, convidamos a Soraia Fiaccadori Braz, mãe de Catarina.

Pezinho1

Uma enfermeira se abaixou e falou-me ao pé do ouvido:

– Te acalma, é uma menina, ela está viva, pesa 460 gramas e está tudo bem!

E foi assim que, depois de horas chorando e vomitando, eu pude, digamos, me acalmar.

E Catarina nasceu! O conceito médico define como aborto o feto com menos de 500 gramas. Mas na hora H ela chorou! Não era um aborto, era um milagre!!!

A mãe de um prematuro é um ser diferenciado. Ela não tem direito ao repouso após a cirurgia cesariana. No mesmo dia ela começa a peregrinação do seu leito até a UTI neonatal, várias vezes ao dia. Anda curvada de dor. Dor física e emocional. Mas, ao mesmo tempo em que chora, agradece a Deus pelo seu filho estar bem até aquele momento. A mãe de UTI olha ao lado a dor da sua vizinha de leito e se compadece com a dor alheia.

Quatro dias depois do nascimento, que alegria, ela começou a ingerir leite materno pela sonda. 1 ml de 3 em 3 horas!

Com vinte dias, no dia de Santo Antonio, ela fez uma cirurgia cardíaca e tudo correu bem, até a recuperação.

Nós mudamos de sala na UTI quatro vezes. Catarina teve 4 pneumonias. Ficou entubada por 111 dias. A partir deste dia, em que ela arrancou o tubo de oxigênio, eu pude ouvir sua voz. Foi como música para os meus ouvidos.

Fiz amigas de UTI e aprendi muito sobre traqueostomia, gastrostomia, síndrome de Partau, síndrome de Edward. Vivi momentos sinceros, abraços apertados onde a situação socioeconômica nada importavam, mas apenas um olhar e um ouvido atento para escutar aquela amiga que naquele dia não tinha tido boas noticias. Vi cinco crianças falecerem. Todas tinham mais peso que a minha bebê.

Encontrava outras amigas no lactário. Choravam porque não tinham leite. Trocávamos nomes de remédios que ajudavam no efeito colateral a produzir mais leite. Falávamos cada uma do seu caso e, assim, parecia amenizar aquela situação onde você tem que se despir na frente de alguém que você nunca viu, que fica te olhando e olhando o quanto você consegue tirar de leite.

Na UTI neonatal não podem entrar crianças de fora. Logo, minha outra filha conheceu a irmã no dia em que ela veio pra casa. Foram 154 dias de UTI. Foram necessárias onze transfusões de sangue e duas transfusões de plaquetas. Tem displasia pulmonar. Ela alcançou peso com quatro dígitos na segunda quinzena de julho, com quase dois meses de vida. E na mesma semana eu pude pega-la no colo pela primeira vez. É indescritível a sensação de fazer o primeiro canguru com seu bebê.

Eu rezei para que ela viesse pra casa livre de qualquer resquício da prematuridade extrema. Ela veio, mas não como eu sonhei. Como outra mãe da UTI, preferi  chamar o motorista da ambulância de choffeur particular, para parecer menos traumático. Vir pra casa com serviço de home care não é bem o sonho de consumo de uma mãe de UTI , mas vir pra casa, apenas utilizando catéter de oxigênio na menor graduação existente, depois de quase ser desperdiçada como um aborto, não tem palavras que traduzam o sentimento de vitória.

Soraia Fiaccadori Braz

 

(Se quiser contar a sua história, mande um email para torero@uol.com.br)

 


A maternidade não pede licença
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trabalho

O aniversário de quatro meses de um bebê prematuro pode ser uma data terrível. É o término da licença-maternidade e o retorno da mãe ao trabalho.

Esta semana presenciei muito choro. Algumas de minhas amigas de UTI estão voltando ao serviço e sofrendo a dor da separação de seus pequenos.

O problema é que estas mães não tiveram chance de ficar em casa com seus filhos muito tempo, porque alguns deles acabaram de sair da UTI.

Com quem deixá-los?

Para quem não tem a sorte de contar com parentes próximos, o jeito é deixá-los nas creches. E o medo?

Medo de que não cuidem bem, que lhe falte atenção, que fique doente, que se machuque, que não seja bem alimentado, que acabe gostando mais do cuidador do que da mãe… E o pior de tudo é ficar longe daquilo que você mais quer ficar perto. O fim da licença-maternidade força a mãe a cortar o cordão umbilical, ou emocional, com o bebê.

A volta ao trabalho também vem atrapalhar um bocado o aleitamento materno. Certamente a mãe de UTI já teve algum problema com amamentação: ou o bebê demorou muito para ir para o seio, ou ela teve pouco leite, ou demorou para engrenar na rotina das mamadas. E para aquelas que sobreviveram aos quatro meses e ainda amamentam, ficar longe do seu bebê complica ainda mais essa tarefa.

Uma amiga minha, médica, voltou a trabalhar recentemente e em uma semana seu leite acabou. As muitas horas longe de seu filho diminuíram o estímulo para a produção, e ela, que já não era muito farta, secou.

Outra amiga, que trabalha com moda, optou por deixar a filha num berçário. Ela não tem parentes aos quais recorrer e o pai da bebê também trabalha fora. Ela percorreu, perto da casa dela, cinco opções. Escolheu o berçário que achou melhor, mas mesmo este não a deixou satisfeita. Ela está indo para o trabalho preocupada. E chora todos os dias.

Há um ano, minha prima, advogada, também chorou muito quando teve que deixar sua pequena de quatro meses na creche. Lembro de nossa conversa ao telefone, quando ela me contou isso. Ela mais chorava do que falava, e eu não consegui entender quase nenhuma de suas palavras. Agora que sou mãe, compreendo o que ela estava sentindo.

Como mãe de UTI, vejo a volta ao trabalho com um peso maior do que o normal. É difícil destraumatizar da experiência da UTI e delegar os cuidados intensivos do prematuro a outras pessoas. É muito difícil abrir mão da convivência intensiva com o filho em uma fase em que ele começa a se desenvolver e fazer fofurices. Torna-se  praticamente impossível sair de casa com seu bebê sorrindo pra você, como se não existisse mais ninguém no mundo.

Por mais que a mulher goste do que faça, o vínculo da mãe com o bebê nos primeiros meses é tão forte que tudo o que a gente pensa e quer é ficar ao lado do filho, cheirando, cuidando, babando, lambendo a cria.

Eu também não passarei incólume pelos quatro meses. Não tenho carteira assinada e me dei uma licença-maternidade por conta própria, mas os projetos que posterguei por causa do parto prematuro começaram a virar monstros de desenho japonês e já me atormentam.

Tenho pelo menos um relatório Godzilla para terminar até o final do mês e outros dois ainda sem data oficial de entrega. Haja cabeça. E braços, para dar conta de tudo. Trabalhar de casa não refresca muito meu retorno ao trabalho. Não tenho babá e os cuidados de Matias ficam por minha conta e de Torero, que já voltou ao ritmo intenso de labuta há algum tempo.

Ainda me pergunto como vai ser possível trabalhar e cuidar de Matias no meio de suas imprevisíveis crises de cólica e de choro. Se para mim já está difícil alcançar a meta de tomar um banho por dia, imagine ter que se concentrar, na frente do computador, pensando em estratégias para clientes? Logo eu, que estou sem estratégia nenhuma para encarar a retomada do trabalho.

Existe licença-maternidade, mas a maternidade não pede licença.


O sorriso mágico dos bebês
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(Hoje, Torero escreve em azul e Maria Rita, em preto)

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Matias está rindo. E muito.

Mal acorda e já dá belas risadas com suas gengivas vazias.

Ele já dava alguns sorrisos antes, mas agora eles acontecem com muita facilidade. E nós derretemos, é claro.

O interessante é que os sorrisos começam a acontecer quando os pais já estamos exaustos por conta dos primeiros meses de cuidados intensivos com os bebês.

O cansaço, as olheiras, as noites sem dormir e os braços cansados de carregar o bebê durante as crises de choro, tudo isso é esquecido quando eles riem para nós.

A risada para os pais é uma recompensa. É o pote de ouro no fim do arco-íris.

E não é à toa que os bebês são fofos. Há quem diga que a risada dos bebês é uma prova da teoria da evolução de Darwin. Uma prova da seleção natural.

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O sorriso aumenta o índice de fofura, e isso faz com que os adultos lhes prestem mais atenção, aumentando o cuidado que têm com eles, garantindo assim a sobrevivência dos filhotes e a perpetuação da espécie.

Trata-se de um truque para garantir os cuidados parentais. A mesma tese explica porque os filhotes de cachorros e de gatos são tão lindinhos.

Matias utiliza bem os seus poderes. Sempre que vê alguém pela primeira vez, dá um daqueles sorrisos com um gemidinho, o que automaticamente transforma a pessoa em uma escrava. Tanto isso é verdade que a frase mais comum depois de uma de suas risadas hipnóticas é “Posso segurar ele um pouquinho?”.

Ele é como o Gato de Botas do Shrek, só que, em vez daquele olhar pidão, usa o sorriso.

O golpe é ainda mais eficiente em avós babões e tias corujas. Estes pobres seres, já predispostos a amar incondicionalmente, não têm a menor defesa contra os sorrisos sedutores de um bebê. Se Matias soubesse falar e dissesse “Me dá seu carro, vovó?”, elas entregariam a chave na hora.

Mas o riso como elemento de sedução não é uma exclusividade humana. Segundo Katie Slocombe, especialista em cognição da Universidade de York (Grã-Bretanha), “Quando um chimpanzé ri, isso parece estimular seu interlocutor a continuar a brincar, assim como faz um bebê tentando manter a atenção de um adulto.”

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A tática risadal de Matias é tão sofisticada que ele conseguiu desenvolver vários tipos de sorrisos. Há uma risadinha irônica com o canto da boca, um sorriso safado em que ele põe a linguinha de fora, uma risada larga, com a boca bem aberta, uma risada contida, com a boca fazendo apenas um traço, e uma gargalhada que é quase um grito. E às vezes ele ainda olha para a pessoa com o canto de olho e inclina levemente a cabeça. É infalível! Não há quem não se torne seu adorador.

Mas pode ser que estejamos sendo maquiavélicos demais. Talvez o riso das crianças não seja um recurso instintivo para garantir sua sobrevivência, talvez não seja uma demonstração da teoria da evolução de Darwin.

Talvez ele apenas sorria porque está feliz, porque sente que é amado.

Ou talvez seja isso que ele quer que a gente pense.


A Fuga da Ilha Maternália
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(Hoje, Rita escreve em preto e Torero, em azul)

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Consegui! Depois de três meses de confinamento, fugimos da ilha Maternália!

A quarentena de Matias já havia sido afrouxada pela médica. Mas isso não bastava. Havia vários outros “ses”. Só poderíamos sair se não houvesse perigo de chuva, se o sol não estivesse terrível, se não estivesse muito frio e se não houvesse trânsito nas ruas.

 Então olhamos pela janela e tudo estava perfeito. Todos os “ses” tinham se tornado realidade.

Eu gritei: “Vamos levar o Matias para passear!”

Eu nem acreditei, porque Rita parecia ter abraçado a vida de eremita para sempre, cuidando de Matias sem sair de casa. Eu já a tinha convidado algumas vezes para sairmos com ele, mas ela sempre achava algum obstáculo instransponível, como uma perigosa brisa.

Comecei a preparar o carrinho para saída. E passei a explorá-lo, porque até então ele só servia como uma caminha para Matias. Foi aí que descobri como o carrinho dobrava, que ele tinha freio e que possuía várias bolsas.

Tratei de arrumar Matias rapidamente, antes que Rita mudasse de ideia.

Ele ficou lindinho, com body dos Beatles, calça jeans e meias xadrezinhas. Mas faltava um chapéu. Ele não podia sair na rua sem um chapéu.

Testamos alguns modelos. Ganhou um boné que combinava com a meia.

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O carrinho mal cabia no elevador. E eu mal cabia de ansiedade. Seria meu primeiro passeio desde que a bolsa estourou (se você não leu este texto, clique aqui: http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/07/23/nasceu/).

Gildásio, o porteiro, abriu um sorriso e o portão dos carros. Foi uma saída em grande estilo.

Ele me disse: “A senhora estava sumida, hein dona Maria Rita?”

Quando saímos do prédio, percebemos que o passeio teria um toque de aventura. É que as calçadas de São Paulo são uma prova de rali. Elas têm buracos, árvores, são estreitas e possuem minas (não as explosivas, as de cocô).

Matias chacoalhava feito aqueles bonequinhos com pescoço de mola que ficam no painel do carro. Pensei que ele fosse começar a chorar, que teríamos que voltar a qualquer momento, mas não.

Ele dormiu.

Andamos por um quilômetro. Mil metros! Eu não andava tanto desde o meu parto. Estava tão contente que cumprimentava todo mundo que passava.

Aí decidimos que já tínhamos andado bastante.

Na volta, as nuvens se abriram e o sol ficou mais forte.

Matias acordou e começou a chorar.

Fechamos a “capota” do carrinho e apertamos o passo.

Chegamos em casa suados. Todos os três.

Mas valeu a pena. A sensação de liberdade, de finalmente poder levar o filho para a rua, para a vida comum, foi uma delícia. Há três meses ele estava numa incubadora, e o céu, para ele, era o teto da sala de UTI.

Domingo ele viu céu de verdade. E árvores. E nuvens. Viu tanta coisa que, depois que chegou em casa, foi difícil de dormir.

Mas, quando dormiu, gostou do que sonhou.

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Os dez mandamentos do Rei do Berço
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O vídeo do Rei do Camarote fez tanto sucesso que foi visto até aqui, na Ilha Paternália. Caso você não tenha assistido, o link é este: http://www.youtube.com/watch?v=atQvZ-nq0Go.

 Pois bem, o vídeo é tão engraçado (mesmo que involuntariamente) que resolvemos fazer os Dez Mandamentos do Rei do Berço. Ei-los:

 Em primeiro lugar, para ter um Rei do berço, você deve vesti-lo com roupas das melhores grifes, tipo Armani Junior. Afinal, dá muito mais gosto babar numa jaquetinha que custa 450 dólares.

 Ele também tem que ter um carrinho, um carrinho potente. A Ferrari é um mito, um sonho de consumo, mas, quando o assunto é carrinho, o quente mesmo é o da Aston Martin. Custa mais de sete mil reais lá na Inglaterra. Importando deve ficar bem mais caro.

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Quando o bebê está no berçário, é mais um. Mas no berço ele fica em evidência. É uma questão de status. E a conta… você já sabe, né? Este aqui em cima custa vinte mil dólares. A marca é a  Posh Tots e ele é todo feito em cedro. Isso sim é um berço esplêndido.

 A cadeirinha tem que ser da Swarovski.  Ela é feita de metal reforçado, tem assento prateado e detalhes em cristal. É tão chique que a mamadeira tem que vir com aquela vela de aniversário que solta foguinho.

Aquecedor de lencinho umedecido é um luxo. E o que são duzentos reais?

Chupeta é essa aqui embaixo. Custa só 30 mil reais. É feita em ouro branco e tem 278 diamantes incrustados. Se o seu bebê é daqueles que praticam arremesso de chupeta à distância, é bom tomar cuidado.

xupta
Outra coisa importante é a lixeira que neutraliza o odor da fralda suja. Custa o preço de um carrinho, mas como ter o nariz empinado com cheiro de cocô por perto?

 Babador? Gucci é Gucci, gente. Nada melhor do que Gucci para o bebê que ainda faz guti-guti. E o preço é uma pechincha:  U$ 120.

 Em volta do berço tem que ter babás, babás bonitas, porque não faz sentido você ter tudo aquilo ali e não ter babás. Não adianta ter bercinho chique, cadeirinha de cristal e chupeta de diamante se não tiver babás. É como ter uma banheira e não ter um patinho para brincar.

E um verdadeiro Rei do Berço tem que ter um superursinho de pelúcia. Um bom ursinho de pelúcia agrega valor. Agrega valor às babás, às mamadeiras, à fralda, ao que tem dentro da fralda, a tudo. O ursinho da fábrica alemã Steiff custa 87.400 dólares. É feito com fios de ouro, pupilas de safira e íris de diamante.

Enfim, quem é que não quer ter um carrinho da Aston Martin, um babador de 250 reais, um berço mais caro que um carro e um ursinho que vale um apartamento?

 Nós. Nós não queremos.