Barrigudos

A maternidade não pede licença

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O aniversário de quatro meses de um bebê prematuro pode ser uma data terrível. É o término da licença-maternidade e o retorno da mãe ao trabalho.

Esta semana presenciei muito choro. Algumas de minhas amigas de UTI estão voltando ao serviço e sofrendo a dor da separação de seus pequenos.

O problema é que estas mães não tiveram chance de ficar em casa com seus filhos muito tempo, porque alguns deles acabaram de sair da UTI.

Com quem deixá-los?

Para quem não tem a sorte de contar com parentes próximos, o jeito é deixá-los nas creches. E o medo?

Medo de que não cuidem bem, que lhe falte atenção, que fique doente, que se machuque, que não seja bem alimentado, que acabe gostando mais do cuidador do que da mãe… E o pior de tudo é ficar longe daquilo que você mais quer ficar perto. O fim da licença-maternidade força a mãe a cortar o cordão umbilical, ou emocional, com o bebê.

A volta ao trabalho também vem atrapalhar um bocado o aleitamento materno. Certamente a mãe de UTI já teve algum problema com amamentação: ou o bebê demorou muito para ir para o seio, ou ela teve pouco leite, ou demorou para engrenar na rotina das mamadas. E para aquelas que sobreviveram aos quatro meses e ainda amamentam, ficar longe do seu bebê complica ainda mais essa tarefa.

Uma amiga minha, médica, voltou a trabalhar recentemente e em uma semana seu leite acabou. As muitas horas longe de seu filho diminuíram o estímulo para a produção, e ela, que já não era muito farta, secou.

Outra amiga, que trabalha com moda, optou por deixar a filha num berçário. Ela não tem parentes aos quais recorrer e o pai da bebê também trabalha fora. Ela percorreu, perto da casa dela, cinco opções. Escolheu o berçário que achou melhor, mas mesmo este não a deixou satisfeita. Ela está indo para o trabalho preocupada. E chora todos os dias.

Há um ano, minha prima, advogada, também chorou muito quando teve que deixar sua pequena de quatro meses na creche. Lembro de nossa conversa ao telefone, quando ela me contou isso. Ela mais chorava do que falava, e eu não consegui entender quase nenhuma de suas palavras. Agora que sou mãe, compreendo o que ela estava sentindo.

Como mãe de UTI, vejo a volta ao trabalho com um peso maior do que o normal. É difícil destraumatizar da experiência da UTI e delegar os cuidados intensivos do prematuro a outras pessoas. É muito difícil abrir mão da convivência intensiva com o filho em uma fase em que ele começa a se desenvolver e fazer fofurices. Torna-se  praticamente impossível sair de casa com seu bebê sorrindo pra você, como se não existisse mais ninguém no mundo.

Por mais que a mulher goste do que faça, o vínculo da mãe com o bebê nos primeiros meses é tão forte que tudo o que a gente pensa e quer é ficar ao lado do filho, cheirando, cuidando, babando, lambendo a cria.

Eu também não passarei incólume pelos quatro meses. Não tenho carteira assinada e me dei uma licença-maternidade por conta própria, mas os projetos que posterguei por causa do parto prematuro começaram a virar monstros de desenho japonês e já me atormentam.

Tenho pelo menos um relatório Godzilla para terminar até o final do mês e outros dois ainda sem data oficial de entrega. Haja cabeça. E braços, para dar conta de tudo. Trabalhar de casa não refresca muito meu retorno ao trabalho. Não tenho babá e os cuidados de Matias ficam por minha conta e de Torero, que já voltou ao ritmo intenso de labuta há algum tempo.

Ainda me pergunto como vai ser possível trabalhar e cuidar de Matias no meio de suas imprevisíveis crises de cólica e de choro. Se para mim já está difícil alcançar a meta de tomar um banho por dia, imagine ter que se concentrar, na frente do computador, pensando em estratégias para clientes? Logo eu, que estou sem estratégia nenhuma para encarar a retomada do trabalho.

Existe licença-maternidade, mas a maternidade não pede licença.