Barrigudos

A UTI não me pegou de surpresa

Barrigudos

(Em geral só as mães contam suas histórias de UTI. Mas hoje será diferente. Quem vai contar sua história é um pai de UTI, o Fernando, pai de Bento. Um pai que já sabia que seu filho seria prematuro.)

 

Bento2

 

A UTI não me pegou de surpresa. No fundo, eu desejei chegar nela e, depois, sair dela o mais rápido possível, obviamente com o meu bebê no colo. Explico:

Na 24ª semana, minha esposa teve uma cólica renal, por volta da meia-noite, e fomos direto para o pronto socorro. Depois de umas quatro horas, com ela já medicada e com a dor quase superada, e eu já desmaiado na cadeira do PS, o plantonista decidiu fazer uma US apenas para checar se estava tudo bem com o bebê. Não estava tudo bem!

Como assim? Sempre esteve! Pois é, o quadro havia mudado…

O líquido amniótico estava baixo, bem baixo. Cogitaram interná-la, mas os dopplers estavam bons. Do PS ligaram para o nosso médico. De imediato, ele desconfiou, pois realmente estava tudo muito bem na 23ª, mas, precavido, pediu repouso absoluto e que realizássemos um novo exame, no mesmo dia, para confirmação.

Lá fomos nós pra casa, 5h ou 6h da manhã, arrebentados de tudo quanto é forma. Puxa vida!

Na hora do almoço, novo exame pronto e confirmado o problema – líquido amniótico abaixo do mínimo e início de uma restrição de crescimento intrauterino devido à insuficiência placentária. Minha esposa foi afastada, de imediato e em definitivo, do trabalho.

Nosso médico, com franqueza, disse que o quadro era delicado e que, se acreditássemos em algo superior, deveríamos começar a rezar e rezar muito. Tecnicamente, ele faria o melhor possível. Disse, ainda, que seria um milagre chegar na 28ª semana e que ele trabalharia para chegar na 26ª, quando o bebê se torna “viável”. Recomendações: 5 litros de líquido por dia entre isotônicos, água de coco e água, além de repouso absoluto, deitada o tempo inteiro.

Nossa, nós choramos muito naquele dia. Eu me recordo de nunca ter sentido algo tão doloroso, afinal, antes desta gravidez, já havíamos perdido outra – e estávamos a quase três anos tentando. Chorei com meus sogros, meus pais, meus amigos mais próximos, chorei muito.

Por força do destino e dos amigos, eu também me afastei do trabalho e o trabalho também se afastou de mim, pois não tinha como não ser assim, não tinha como “continuar” tudo normalmente. Não tinha nada mais importante que minha esposa e meu bebê.

Exames de ultrassonografia tornaram-se rotina, praticamente dois por semana. Chegamos na 26ª semana.

Nela, os dopplers continuavam bons, apesar do bebê não engordar e não crescer. A tentativa agora era a 27ª semana. Chegamos!!!! E assim foi… 28ª, 29ª, 30ª, 31ª. 32ª… todo dia era as mãos na barriga, as mãos ao céu. A cada semana uma nova expectativa, um problema novo ou uma notícia mais estável.

Nos exames da 33ª, os dopplers começaram a “capengar” e para evitar sofrimento o parto foi marcado para o dia 17/07/2013, na 34ª semana. Estávamos preparados para receber o bebê com 1200 kg, 38 cm, encarar dois meses de UTI, entubação e afins. A verdade é que entre a 24ª e a 34ª, em todas as consultas, o médico nos preparava para a UTI.

E eu nem sei e nem consigo detalhar o que foi viver 24h por dia, durante todas essas semanas, pensando em uma única coisa. Foram exatos 3 meses assim!

Bento chegou! Pequeno (40 cm), magro (1535kg), roxo, sem choro, no limite, limite do tempo.

Entre a retirada dele do útero até alguma notícia passaram-se dez minutos. Dez minutos infernais, com minha esposa querendo saber como as coisas estavam e eu sem saber o que falar, pois eu vi apenas uma bolinha roxa e silenciosa saindo e sendo levado para outra sala. Quando a enfermeira voltou, com o Bento no colo, enrolado em um paninho, sem entubar, e o colocou no colo da minha esposa, sentimos que ele sorriu para nós. E nós choramos! Sabíamos que ter chegado até aquele momento tinha sido uma grande vitória. Minha esposa só conseguiu dar um beijinho nele e falar: Deus te proteja!

Foram 29 dias de UTI, metade do tempo que estávamos esperando, muito tempo para o que vivemos e vimos. Nós mudamos de casa – fomos morar mais perto do hospital. Contei dia após dia cada grama ganha ou perdida, cada mililitro de leite bebido, cada procedimento realizado. Encaramos duas transfusões de plaquetas e uma de sangue. Vibrei por outros pais que recebiam notícias boas. Vi bebês em circunstâncias mais críticas que as do Bento saindo do hospital no colo dos pais – a emoção é indescritível. Lastimei cada notícia ruim que escutei.

É difícil, não tem como se preparar antes, não somos uma máquina programável. Uma ala de UTI Neonatal é uma loucura, te traz conforto e dor, silêncio ou muito barulho dos equipamentos, tudo no início é um desconhecido assustador. Tem é que ter muita fé, para as coisas de Deus e para as coisas da ciência, e muito amor – para o que der e vier.

Para nós, Bento veio para casa forte, firme, lindo e enche nossas vidas de alegria e sentido – passamos por tudo isso por algum motivo, que não sabemos bem qual é, mas confiamos que tenha sido necessário. Hoje, o Bento está, novamente, uma bolinha, mas agora é de um banguela sorridente e gordinho.

Fernando Elias Penedo

 

(Se quiser contar uma história de mãe ou pai de UTI, mande seu texto para torero@uol.com.br)