Barrigudos

O fantasma da bronquiolite

Barrigudos

(No texto de hoje, Fabiana conta a história da sua pequena Heloísa, um caso mais comum do que se pensa. A bronquiolite atinge mais da metade das crianças com até dois anos de idade. E às vezes pode ser muito, muito grave, especialmente para recém-nascidos. É um fantasma real que ronda os bebês.)

Eu não sou uma mãe de UTI tradicional, por isso não sei sequer se meu texto será selecionado. Minha filha, Heloísa, nasceu de cesariana em data agendada, ou seja, de tempo normal. Antes dela eu havia engravidado de gêmeos e perdido. É uma dor insuportável e já traz um trauma para a segunda gravidez. Engravidei novamente três meses depois e, para minha infelicidade, eu corri o risco de perdê-la novamente.

Marcamos a cesariana de um dia para o outro e já tínhamos combinado de não avisar muita gente, pois não queríamos visitas no hospital. Uns dias em casa e veio a notícia de que a filha de uma pessoa que foi nos visitar estava com bronquiolite! Um susto, um ponto de atenção na nossa rotina de observação ao nosso bebê, e não deu outra, ela começou a engasgar com frequência durante as mamadas.

Fomos ao hospital, procuramos um novo pediatra e todos diziam que ela estava ótima, que era só preocupação excessiva de pais de primeira viagem. Ela passou a engasgar em todas as mamadas então, até que se engasgou e ficou roxa por algum tempo. Todas as manobras que fazíamos não davam resultado, ela voltava e afogava de novo, foi desesperador.

Todos os pais deveriam saber as manobras. São salva vidas! Meu marido salvou a vida da nossa filha. Ele enfiou o dedo na garganta dela e abaixou sua língua. O recém-nascido tem costume de ficar com a língua levantada, o que dificulta a respiração nesses casos.

Fomos ao hospital, o médico ouviu-a tossir e levantou a possibilidade de bronquiolite. Não deu outra. Confirmamos em poucas horas com exame de sangue. Ela estava com 16 dias e foi pedida a internação na UTI. Outra dificuldade: é muito difícil encontrar leito de UTI em bons hospitais em SP. Nosso convênio é bom, não o melhor, mas bom, e mesmo assim vimos nosso pedido negado em dois lugares.

Ficamos desesperados, com medo de perder nossa filha por falta de vaga, até que a médica responsável pela UTI do hospital onde estávamos arrumou um leito a mais. Literalmente arrumou: estreitou os espaços entre os bebês e nos salvou. Ficamos mais de 16 horas esperando uma vaga, e vimos pessoas que estavam esperando há mais de dois dias!

Enfim, lá fomos com nossa pequena. Foram seis dias intensivos, não saíamos por nada da UTI (podíamos ficar as 24hs, exceto pelos horários de troca de plantão que coincidiam com os horários de café da manhã, almoço e jantar). Só saíamos do hospital de madrugada para corrermos até em casa e tomar banho. É indescritível a tristeza de chegar em casa sem sua filha, que esteve ali, que o cheiro está ali, que o berço está desarrumado. É indescritível a dor que sentimos, o medo, o desespero.

Graças a Deus minha filha ficou bem, não precisou de sonda, de oxigênio, de tubo, mas eu nunca acreditava quando as enfermeiras diziam que ela estava bem, nunca. O medo de ter esperança te paralisa.

As enfermeiras sempre me aconselhavam a vir para casa dormir, mas nunca consegui vir, nunca consegui deitar. Fiquei os seis dias na cadeira da UTI. Meu marido também, o tempo todo. Ele conseguia passar mais tempo do lado de fora. Eu não conseguia, me dava agonia, desespero, medo dela precisar de mim e eu não estar lá, dela chorar e não ter ninguém para niná-la.

Graças a Deus meu leite não secou frente a todo esse estresse. Ainda amamento e ela já está com 1 ano e 8 meses.

No dia dela ter alta, a médica não queria dar porque achou que estávamos despreparados para levá-la para casa, tão grande era nosso medo, nosso desespero e nosso cansaço. Enfim a convencemos. Precisávamos encerrar aquela fase, e ela continuar ali começava a ser mais perigoso do que benéfico pelo risco de infecções. Dois outros bebês internados com o mesmo problema haviam pegado infecção e teriam que passar mais tempo por causa do antibiótico.

Enfim viemos para casa com auxilio 24 horas por dia. O medo de ficar com ela sozinha e não saber fazer alguma manobra nos fazia suar frio. Cinco dias depois ficamos sozinhos e fomos encarando tudo. E ela passou muito bem, graças a Deus.

Me identifico muito com as mães de UTI, porque minha filha passou por lá e porque entendo o trauma que gera. O medo do futuro, de alguém pegá-la estando doente, dela precisar voltar pra lá, dela ser mais frágil que as outras crianças. O medo de ver uma criança espirrando chegar perto, de expô-la ao risco, de sair com ela no frio, na chuva.

Acho que só quem viveu a experiência de ter seu filho na UTI tem isso. Minha filha nunca experimentou sorvete, nunca tomou gelado, nunca entrou numa piscina fria. Tenho certeza que a estou superprotegendo, mas como me desvincular do medo de vê-la doente? Do medo de precisar de uma UTI e não encontrar vaga?

heloisaSer mãe é maravilhoso. Ela é linda, esperta, ativa, faladeira. Ouvir “mamãe” o dia inteiro (trabalho em casa) me faz a pessoa mais feliz do mundo. Só o tempo vai me desvincular desse medo excessivo. Acho que já estou melhor do  um ano atrás. Mas ainda exagero, certamente!

Mas acho também que, exatamente por causa das dificuldades, nós conseguimos curtir mais cada coisinha, porque qualquer coisa é uma grande vitória! Quem esteve perto de perder ou sentiu medo de perder um filho sabe o que estou falando. Nada mais importa do que a saúde deles, o resto a gente releva! E cada sorriso é o sol que nos ilumina.

 

Fabiana Traina