Barrigudos

A vida não é um roteiro

Barrigudos

Pense num mar de rosas. É bonito. Mas sob este mar de rosas há um mar de espinhos. Gravidez não é só festa e alegria. Há muitos momentos de tensão. Por exemplo, o exame morfológico da 12ª. semana.

Estávamos a uma semana do exame e Torero não me deixava dormir. É que neste ultrassom saberíamos a probabilidade de o bebê ter más formações fetais ou anomalias cromossômicas, como a Síndrome de Down.

Este era meu grande medo. Eu tinha lido o livro, ótimo, do Cristóvão Tezza: “O filho eterno”. O livro tem um final feliz, de aceitação e alegria. Mas o começo é cheio de dúvidas e dor. Não queria passar por isso.

Como mãe, a gente sempre quer que o filho seja perfeito. A gente nunca pensa nos problemas que uma criança pode ter quando decide engravidar. Planejar um filho é sempre uma decisão otimista, que acredita que ele terá as melhores condições possíveis para viver plenamente e feliz.

Mas, quando ele se torna real, quando já está na barriga, surgem as desconfianças. Vamos do romantismo ao realismo. No meu caso, mais um pessimismo que um realismo. Mesmo sabendo que a chance de ter algum problema era de 0,5%, o medo era o equivalente a uma possibilidade de 50%. Ou 51%.

No começo, eu, uma otimista, estava com pensamento positivo, internamente vibrando que tudo daria certo. Mas aos poucos fui me contaminando pelo medo do Torero. E um milhão de culpas começaram a passar pela minha cabeça. Por que não tive filhos mais cedo? Mesmo sabendo que sou uma pessoa saudável, com alimentação balanceada, esportista, livre de vícios etc…, eu sentia que meu corpo poderia falhar na geração de uma nova vida.

Imagino, ou gosto de imaginar, que meu medo vinha do fato de eu ser escritor. Nas minhas histórias, e talvez em todas as histórias, quando tudo está bem, algo triste acontece. Logo, seu eu estou com a mulher que amo e decido finalmente ter um filho, algo ruim teria que acontecer. É a arquitetura do romance.

E, como em todo o romance tem choro, eu comecei a chorar dia e noite.

Eu não pensava em outra coisa. E também chorei um bom bocado.

Depois de muito chorar, e me imaginar recebendo a notícia de algum problema, eu pensei: “E daí? Ele vai continuar sendo meu filho”. Eu me sentia geneticamente programada para amar o que estivesse dentro da minha barriga.

Chegou o dia. Eu estava nervoso. Tudo me irritava. Para piorar, eu não conseguia vaga para estacionar. É como se estivesse adiando a entrada no laboratório.           

O início do exame foi tenso.

Lembro que a sala estava um breu. Para mim, muito mais escura que da primeira vez. Baixei a cabeça e só olhava de relance para a tela. E meu coração batia tão forte que quase doía. Eu prestava uma atenção total nas palavras do médico, já esperando uma frase terrível e definitiva. 

O médico, um japonês gentil, foi falando tudo o que via: ossinho do nariz normal, fêmur normal, coração normal, colo do útero normal… tudo normal. E ainda disse que havia 70% de chances de ser um menino.

Então o exame acabou e o médico acendeu a luz. Ele não tinha falado nada de terrível. Mas eu ainda estava em dúvida. Será que eu que não tinha entendido alguma coisa? Será que não tinha visto alguma coisa? Fui até ele e perguntei explicitamente: “Nenhum problema, nenhuma síndrome?”.

Ele respondeu: “Nenhum problema. A Translucência Nucal que indicaria uma síndrome, está OK. Só não comecem a comprar roupa de menino, porque ainda há 30% de chances de ser menina.”

Senti como se tivesse mergulhado numa lagoa de Halls. Minha pele ficou gelada, mas um gelado de alívio. A vida de verdade não era como os livros e os filmes, onde os problemas são necessários para que a história seja interessante. A vida não é um roteiro.