Barrigudos

Arquivo : agosto 2013

Comparar bebês prematuros é cruel
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Matias já veste RN! Esta semana comemoramos a perda de suas roupas de prematuro. Os bodys minúsculos já estavam muito apertados e difíceis de colocar, e o comprimento dos mijões já não era suficiente para o tamanho de suas pernas. Ele passou para o tamanho recém-nascido.

Para mim, a troca de numeração foi uma pequena-grande conquista, uma confirmação de que nosso filho está crescendo, engordando, e de que eu e Torero estamos conseguindo alimentá-lo e cuidá-lo. Para Matias, foi mais uma grande-pequena vitória na sua vida de prematuridade.

Mas, ao compartilhar a novidade com a família e amigos por telefone, percebemos que a maioria das pessoas se calava. O silêncio era uma espécie de pena, um constrangimento, uma interjeição oculta, que imaginávamos que queria dizer coisas como: “Coitado, já está com mais de 40 dias e só agora chegou ao tamanho de um bebê recém-nascido.” Até que alguém, em alto e bom som, confirmou nossas suspeitas dizendo: “Nossa, se só agora ele veste RN, antes ele deveria ser um ratinho. Como ele é pequeno!”

Sim. Temos uma criança que por um bom tempo será bem menor do que as outras da mesma idade.

Quando o assunto é bebê, o ideal de belo é ser grande, rechonchudo, cheio de dobrinhas. Um bebê prematuro não tem nada disso. As mães de bebês a termo sentem orgulho e enchem a boca quando dizem: “Nasceu com quase 4 Kg!”. As mães de prematuros sentem alívio quando seus filhos chegam aos 2 Kg.

Comecei então a imaginar várias situações pelas quais provavelmente passaremos quando um estranho perguntar a idade de Matias. Serão comuns comentários do tipo “Ele parece muito mais novinho”, “Ele é pequeno para a idade”, ou ainda perguntas como “Ele come bem?”.

O preço de ter um bebê que nasceu antes do tempo é a crueldade das comparações com os outros bebês.

A prematuridade de Matias me fez refletir sobre as projeções que fazemos para nossos próprios filhos, mesmo que de forma inconsciente.

Quem nunca desejou ter um filho galã de televisão? Ou um novo Einstein? Um campeão de MMA? Cantor? Jogador de futebol? Ou ainda uma filha miss, presidenta, executiva de sucesso?

No fundo, todas as mães secretamente querem que seus filhos sejam os maiores, os mais fortes, os mais espertos, os mais bonitos, os mais inteligentes, os reis-da-cocada-preta, os mais-mais. E quando isso é frustrado logo de cara?

No meu caso, houve um grande alívio nas expectativas em relação ao Matias. Não me importa mais se ele se tornará um baixinho atarracado, um sujeito de altura mediana ou um altão grandão. Há outras coisas com que se preocupar.

Com um bebê prematuro a gente passa a ser coadjuvante do crescimento do filho. Quem dita o ritmo é ele, a gente não controla nada. E tem que deixar de lado as convenções. A curva de crescimento dele não será igual a dos outros. E as comparações com outros bebês não farão sentido. Ele vai se desenvolver no seu próprio tempo, e eu só vou ajudá-lo.

Bebês grandes dão orgulho aos pais. Bebês guerreiros, como Matias, também.


Lição do dia: “A melhor roupa é a mais fácil de tirar.”
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A frase acima parece ter partido de uma striper, mas veio de um pai que tem que trocar seu filho várias vezes ao dia.

Roupa de bebê deveria ser algo simples, que pudesse ser trocada com rapidez, sem que você tivesse prática nem tão pouco habilidade.

Mas não. Os sádicos designers da moda infantil inventam fechos variados, cortes transversais e mangas que parecem um treinamento para contorcionistas.

Meus dedos se embaralham tanto naquelas dezenas de colchetes que um dia darão um nó que só se resolverá com a amputação.

Matias está apenas há duas semanas em casa, mas já troquei tantas fraldas que apenas olhando para um body já sei quanto tempo demorarei para tirá-lo e colocá-lo. Apenas pelo corte do macacão já dá para saber se ele é simples como a calça do Hulk ou mais complexo que a armadura do Homem de Ferro.

Eu e Rita percebemos que as roupas mais espertas são aquelas que têm apenas os botões necessários e um corte que permite que você troque o bebê rapidamente, sem que ele fique nervoso e comece a chorar de desespero.

Por uma grande coincidência, estas logo se tornaram as mais usadas.

Em nossas compras iniciais, pensamos na beleza, na maciez e, é claro, no preço. Foi um engano. Beleza é fundamental, mas tirar a roupa rápido é mais importante. Doravante minha preocupação será na trocabilidade da roupa.

Como disse o filósofo tibetano Neng Nem Zing, “As roupas de uma criança devem ser como uma casca de banana para tirar e como um preservativo para colocar”.


Como ser pai de prematuro sem virar vampiro, zumbi ou Frankenstein
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Em Guantânamo, um campo de prisioneiros mantido pelos Estados Unidos em Cuba, uma das técnicas de tortura é acordar o sujeito seguidamente, sem deixá-lo ter um sono longo.

Pois é exatamente isso que temos que fazer com um prematuro. Mesmo que ele esteja dormindo angelicalmente, temos que acordá-lo de três em três horas para alimentá-lo. Eles têm que ganhar peso rapidamente, mas são tão pequenos que não conseguem acordar quando têm fome. Não podemos esperar pelo seu choro de alarme.

E, para deixá-los despertos, antes de cada mamada há uma troca de fralda.

Por tabela, nós, pais, também fazemos esta tortura conosco. Até alguns dias atrás, o despertador do meu celular estava programado para apitar às 2h45, 5h45, 8h45, 11h45, 14h45, 17h45, 20h45, 23h45. Se escutar uma vez por dia aquela sirene já é horrível, imagine como é ouvi-la oito vezes. É preciso um autocontrole de monge budista para não botar o celular na frente da roda do seu carro e passar por cima. Com direito a marcha à ré.

Nos primeiros dias de Matias em casa, eu e Rita fazíamos todas as trocas juntos. Era uma demonstração de companheirismo, era um aprendizado conjunto das minúcias das trocas de fraldas, era o ato de partilhar a paternidade.

Balela!

Fazer tudo junto pode ser bonito, mas acaba com a resistência física do pai e da mãe.

Por conta dessa solidariedade, em poucos dias eu e Rita tínhamos olheiras tão profundas que parecíamos vampiros coadjuvantes num filme do Bela Lugosi.

A saída foi o rodízio. Não, não o de pizza. O de mamadeira.

Como Matias ainda toma um bom tanto leite artificial, decidimos que nas mamadas da meia-noite e das três da manhã só eu acordaria (o que explica o horário deste post). E as trocas das 6h00 e das 9h00 ficariam a cargo de Rita. Assim nós dois conseguiríamos dormir um tanto sem interrupções.

Deu certo. No começo eu me senti andando naquele passo lento dos zumbis, mas logo o corpo se acostumou. E as horas seguidas de sono foram sensacionais.  

Para Rita foi melhor ainda. Com o sono mais longo, ela conseguiu recuperar um tanto do leite, que começava a rarear.

E durante o dia estamos os dois mais espertos.

É claro que eu, como trabalho em casa, tenho uma certa vantagem sobre a maioria dos pais. Se trabalhasse numa empresa, entrando às 9h00 e saindo às 18h00, dificilmente poderia assumir o turno da noite. Mas hoje vários pais já trabalham em casa ou têm horários flexíveis.

Pode parecer menos romântico fazer as trocas de fraldas e mamadas separadamente. Mas é importante garantir que os pais não fiquem em pedaços como um Frankenstein.


Mães de prematuros precisam de licença-maternidade maior
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Esta semana um cliente perguntou se eu poderia participar de uma reunião. Infelizmente, eu não poderia. Cuidar de um prematuro pede dedicação integral.

A volta ao trabalho é um problema sobre o qual eu e as outras mães conversávamos muito durante os dias que Matias passou na UTI.

Como faríamos quando voltássemos para casa? Quando conseguiríamos trabalhar?

Os quatro meses de licença-maternidade (ou seis, no caso das empresas-cidadãs) às vezes não bastam para a mãe de um prematuro. Não é raro que um bebê fique três meses na UTI. Ainda mais se for um prematuro extremo, que nasce entre 25 e 30 semanas de gestação e com menos de um quilo.

É o caso de Hadassa, que teve Maria Eduarda com 27 semanas de gestação, por conta de pressão alta desenvolvida na gravidez. Ela já está há mais de um mês e meio no hospital com Duda, que hoje pesa 1,4 Kg. Até atingir 2 Kg, peso mínimo para um prematuro sair do hospital, a licença-maternidade de Hadassa deverá estar próxima do vencimento.

Além disso, os primeiros meses fora do hospital são delicados. Como uma mãe vai sair para o trabalho e deixar seu prematuro? Se isso já é complicado no caso dos bebês comuns, imaginem com uma criança que ficou semanas ou meses na UTI.

Muitas vezes, quando a licença-maternidade vence, o bebê ainda está com dois quilos e pouco. Não há como deixá-lo numa creche. Os prematuros precisam de cuidados especiais. Possuem um calendário de vacinação diferente dos bebês que nasceram a termo. Ficam em quarentena, sem poder entrar em contato com outras crianças ou adultos, com risco de contraírem viroses ou infecções. Muitos também saem com medicações que precisam ser administradas corretamente, sem falhas.

Então, o que fazer quando se é mãe de um prematuro e a licença-maternidade venceu?

Algumas mães não têm outra alternativa e pedem demissão. Mas poucas podem abdicar do salário. Muitas voltam a trabalhar. Mas trabalham mal, pois sua cabeça, e seu coração, estão com o bebê, não com fornecedores, chefes e relógios de ponto.

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que imita uma proposta que já funciona no Rio de Janeiro.

Ela propõe que a mãe possa acrescentar aos dias de licença-maternidade o tempo que faltava para a criança completar 37 semanas de gestação.

Não é o ideal, mas ajuda.

Em março, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição. Mas ela ainda será analisada por uma comissão especial e, em seguida, votada pelo Plenário da Câmara, em dois turnos.

É tudo muito lento. Enquanto isso, crianças não recebem a atenção necessária e mães ficam sem saber o que fazer.

A proposta original já tem cinco anos.

Fui checar como estava o andamento do proesso e vi que nos últimos cinco meses nenhum passo foi dado.

Os bebês vêm antes do tempo, mas a aprovação da lei já passou da hora.

Você pode assinar um apoio à lei aqui: http://www.avaaz.org/po/petition/Lei_do_Prematuro/?ceAzleb

ou aqui:  http://aleitamento.com/campanhas/lei-prematuro_assinar.asp

E um email para o seu deputado pode ajudar muito mais do que se pensa.

 

 


Barrigudos e Barrigudas na tevê
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Hoje, à meia-noite, o programa Câmera Record vai falar sobre gravidez.

Uma parte será dedicada aos prematuros e às mães de UTI. Este interesse foi provocado, em parte, por um texto aqui do Barrigudos:  http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/07/30/rotina-de-mae-de-uti-tem-lagrimas-e-aplausos/

Por isso, Matias e Maria Rita estarão no programa. Talvez até sobre uma ponta para mim. 


Lição do dia: “É preciso ter peito para aceitar que peito não é tudo”.
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Depois que saímos da UTI, eu e outras mães nos correspondemos por email. Nossas dúvidas são muito parecidas. E, imagino, são as dúvidas de muitas outras mães de prematuros que leem este blog.

Por conta disso, eu e Torero criamos uma seção chamada “Lição do Dia”, onde, em posts curtos, contaremos o que nós e outros pais estamos aprendendo sobre prematuros.

Hoje, por exemplo, o assunto é complemento de leite.

Algumas mães, quando saem da UTI e chegam em casa, tentam dar apenas o peito. E, às vezes, isso não basta. Ou porque o peito não tem muito leite, ou porque o bebê é muito pequeno e não consegue sugar. Nestes casos, é fundamental oferecer o complemento (que pode ser tanto o leite materno tirado com bombas como o leite artificial). Isso mexe com a nossa vaidade materna, afinal, somos mamíferos e gostaríamos de alimentar nossas crias. Mas o bebê tem que vir em primeiro lugar.

Entre minhas amigas de UTI, são raras as mães que têm leite para suprir 100% da amamentação. E a maioria que tentou dar só o peito viu seu bebê ganhar pouco peso.

Os complementos artificiais melhoraram muito nos últimos anos e ajudam nestes primeiros dias da criança. Matias vem ganhando quase 40 gramas por dia, e estou usando uma combinação de 20% de leite de peito e 80% de complemento. É claro que espero que isso mude com o tempo. Mas, por enquanto, não tem jeito.

O que faço é sempre tentar dar o peito antes de usar a mamadeira. Assim Matias aos poucos está melhorando sua sucção e, nos últimos dias, tenho sentido uma melhora.

Tenho recorrido a vários expedientes para aumentar minha quantidade de leite. Tomo Chá da Mamãe, Plasil, bebo três litros de água por dia. Tudo conforme a orientação médica, é claro. E, o mais importante, tenho tentado descansar.

Nos primeiros dias com Matias em casa, meu leite quase secou. Eu estava muito cansada, dormindo muito pouco. Mas agora, depois de uma semana, já tenho conseguido dormir um pouco mais.

Como? Explicaremos no post de amanhã.

 

 


Matias vai à pediatra
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(Hoje, Rita escreve em preto, Torero, em azul)

 

Matias deu seu primeiro passeio.

Infelizmente não foi para um parque ou para uma praia. Nós o levamos à pediatra.

Depois de colocá-lo na cadeirinha, saí dirigindo com cuidado. Trazendo Matias para casa não passei dos 30 km/h. Agora já estou bem mais ousado e cheguei aos 35 km/h. Não foi uma viagem muito rápida, mas em compensação deu tempo para preparamos uma boa lista de perguntas.  

No consultório, a primeira coisa que chamou nossa atenção foi que a simpática secretária nos levou para uma sala separada, porque havia outras crianças na recepção.

Quando questionamos o por quê, ela disse que os prematuros precisam de mais cuidado e Matias não estava imunizado o suficiente para entrar em contato com outras crianças.

Durante nossa conversa com a médica, minha primeira pergunta foi quando poderia deixar Matias só com o leite materno.

Ela respondeu que, pelo jeito, isso não iria acontecer tão cedo, e que eu teria que complementar a mamada dele com leite artificial, assim como na UTI.

Sobre este assunto, vale um parêntese:

Não produzo quantidade suficiente para suas necessidades diárias, mas achei que em casa isso se resolveria magicamente: meu leite jorraria como um poço de petróleo branco e eu reproduziria aquele quadro de Leonardo da Vinci com a Madonna dando o peito para Jesus. Ledo engano.  Tivemos que continuar com o leite artificial. Há xiitas que pregam que o leite que a mãe produz é suficiente para a criança. Mas às vezes isso não é verdade. Uma das mães que esteve no consultório recentemente decidiu deixar seu bebê prematuro somente no peito. Mas ela não tinha leite bastante e ele acabou perdendo peso, o que é perigoso.

A pediatra também falou sobre visitas: os prematuros precisam de uma espécie de quarentena, porque não podem pegar nenhuma doença, sob o risco de voltarem para a UTI. Ela só liberou a visita dos avós e tios, desde que não estejam com tosse, febre, dor de cabeça, alergias e afins. Mesmo assim, só para ver de longe, sem encostar no bebê.

Meu pai está com pneumonia e não poderá ver o seu neto por um boooooom tempo.

Depois das perguntas fomos para a parte da consulta que mais nos deixava apreensivos: o exame médico.

Tínhamos medo de que ele não se comportasse bem, lançando um cocô spray como faz em casa, e assim manchando a parede, o avental da médica e infectando para sempre seu estetoscópio.

Nessa parte, felizmente, Matias comportou-se como um cavalheiro. Não fez seu cocô a jato nem brincou de hidrante quebrado, molhando todo mundo à sua volta.

A segunda questão era ver seu peso e altura. Será que nas mãos de pais inexperientes ele teria perdido preciosas gramas? Ou pior: teria encolhido?

Quando ela colocou a régua ao lado dele, vimos que tinha crescido. Agora Matias é um rapagão de 46,5 centímetros.

O mais importante, porém, era o peso. Teríamos alimentado mal o nosso filho? Então eis que, quando a médica o colocou na balança, apareceram os números 2540. Matias tinha engordado 230 gramas. Quase 40 gramas por dia!

Sinos badalaram, fogos de artifício explodiram no céu, confetes caíram do teto e faixas desceram surgiram com os dizeres: “Vocês são grandes pais!”, “Parabéns!” e “Dá-lhe, Matias!”.

Aquele aumento de peso do Matias nos tirou um peso das costas. Valeu a pena acordá-lo de três em três horas, esterilizar mamadeiras, bombear leite do peito e dançar com ele de madrugada por conta das cólicas.

Valeu até limpar as paredes de cocô spray.

 

 


O primeiro dia de Matias em casa
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(hoje o texto é em dupla: Torero escreve em azul e Rita em preto)

 

Depois de vinte e três dias na UTI, Matias finalmente veio para casa.

Ele teve direito a um corredor de aplausos na saída da maternidade. Foi bom ver as enfermeiras, funcionários da UTI e as outras mães dando adeus para nós. Mas fiquei um pouco triste ao deixá-las. Provavelmente nunca mais verei muitas delas, e elas foram tão importantes para nós.

Eu queria que as outras mães de UTI pudessem sentir essa felicidade de levar o filho para casa logo, logo. As amizades que fizemos por lá foram intensas porque os dias foram muito intensos. É como uma expedição que subiu o Everest: ficamos ligados com aqueles que estiveram conosco lado a lado em uma aventura de grandes proporções.

Na saída do hospital, minha primeira trapalhada: não consegui colocar o cinto de segurança da cadeirinha em Matias (aliás, a colocação da cadeirinha merece um post à parte). Então o porteiro-recepcionista-segurança da maternidade veio me ajudar. Ele certamente é um expert em cadeirinhas. Deve salvar vários pais todos os dias. Ele deu um jeito no cinto e aí consegui colocar Matias no banco de trás.

Eu sentei atrás com ele.

No caminho andei bem devagar. Minha máxima deve ter sido de 30 km/h. A ideia era fazer minha carroça balançar o menos possível. Se houve congestionamento em São Paulo naquele período, a culpa é minha.

Eu fiquei segurando a cabeça dele para que não a batesse. Ele era tão pequenininho para o bebê conforto…

Quando chegamos em casa senti uma sensação de que finalmente o parto de Matias tinha acabado.

Eu fui fazer a caminha dele. Tentei deixá-la parecida com a que ele tinha na UTI, fazendo uma espécie de ninho com os lençóis. Ele olhava para o teto com olhos arregalados.

Depois acabamos colocando ele na nossa cama, só para que ele tomasse posse do lugar. E, eu juro, ele riu nessa hora.

Na primeira troca de roupa, éramos dois trocando uma criança. Nos atrapalhamos um bocado com os colchetes da roupa dele.

Deve ter sido a troca mais lenta da história.

Pelo menos, da história de Matias.

Mas na segunda troca já fomos melhores.

E, na terceira, Matias deu um show. Primeiro fez xixi em Torero.

No meu casaco favorito, é claro.

Depois, soltou um jato de cocô que foi longe, que chamei de cocô-spray.

Eu nunca tinha visto nada parecido. Se houvesse uma competição de cocô à distância, Matias iria para as Olimpíadas!  

Carimbou a parede como uma obra de arte e deixou um rastro amarelado em vários objetos que estavam na cômoda.

Inclusive numa caneca que ganhei num encontro de escritores. Acho que daqui pra frente vou usá-la apenas como porta-lápis.

Para ganhar peso, ele continua tendo que mamar de três em três horas. Ou seja, nossa chance de dormir é entre estas mamadas. Mas nem isso conseguimos.

Passamos a noite em claro. Rita não queria apagar a luz, para ficar olhando Matias e ver se estava tudo bem.

Eu tinha medo de que acontecesse alguma coisa com ele. Um sufoco, um engasgo, uma apneia.

Por algumas horas ficamos assim. Mas convenci Rita a deixar apenas uma luz fraca. Aí foi minha vez de ficar preocupado, porque não dava para vê-lo direito. Então decidi ser mais radical: coloquei Matias sobre meu peito. Depois de algum tempo foi a vez de Rita.

Só assim conseguimos dormir. Porque Matias estava onde devia estar.

 


Anjos de avental
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Desde pequena minha vó me ensinou a rezar para o meu anjo da guarda. Eu imaginava que esse anjo era um homem alto, com grandes asas, cabelo enrolado e roupa branca.

Mas a estadia de Matias na UTI neonatal me fez descobrir que os anjos não têm asas, são na maioria mulheres, vêm em todos os tamanhos e têm diversos tipos de cabelo. E mais: usam aventais.

São Anas, Márcias, Cidas, Jácis, Alices, Fátimas, Cristinas, Fês, Más, Cás, Pês, Lês, Máris, Tátis e Marias.

Não importa se são fisioterapeutas, fonoaudiólogas, enfermeiras, médicas ou auxiliares de enfermagem. Elas voam de um lado para outro atendendo pedidos, socorrendo quem precisa, aliviando dores, salvando vidas.

Mas afinal, o que levou essas mulheres a seguirem a carreira de cuidar dos outros e passar a trabalhar em um berçário de alto risco?

Algumas, como Janaína e Helenice, cuidaram de parentes doentes e isso despertou nelas a vocação do cuidar.

Monaliza e Claudia sonhavam em se tornar médicas. A fisioterapia e a enfermagem foram as formas que elas encontraram de chegar mais perto deste sonho.

Patrícia e Adriana começaram a trabalhar no hospital em funções administrativas, mas se apaixonaram pelos cuidados com os bebês.

Já Aline sabia que gostaria de trabalhar na área de saúde. No estágio viu gente morta e não se impressionou. Então achou que deveria continuar na faculdade de enfermagem.

A maioria dos anjos de avental não pensa em mudar de profissão nem quer sair da área neonatal.

É o caso de Aninha, que trabalhava na farmácia do hospital. Ela conheceu a enfermagem, se apaixonou pelo trabalho com prematuros e está realizada. Quem a vê cuidando dos bebês percebe que ela tem um dom especial.

Eu pensava que seria muito mais fácil ser mãe se soubesse o que elas sabem. Mas Roberta, superexperiente com bebês prematuros extremos, me acalmou. Ela contou que quando teve o seu primeiro filho passou a primeira noite acordada, olhando para ele, com medo que sufocasse. Ela teve medo de algo acontecer e não ter em casa todo o equipamento ao qual está acostumada.

Pelo jeito, ser mãe iguala a todas nós.

Os anjos de avental cuidam de nossos filhos até melhor do que poderíamos cuidar. É impressionante observar como tratam de seres tão pequenos com tanta destreza e confiança. Ao mesmo tempo em que falam com os bebês fazendo vozes infantis, elas passam cateteres, caçam veias minúsculas, fazem curativos, administram medicamentos e colocam sondas.

Fica em mim uma sensação de agradecimento profundo a todas essas mulheres. Elas ajudaram a salvar a vida do meu filho. E isso mãe nenhuma esquece.

É manhãzinha de terça-feira. Entro na UTI e a movimentação é grande. Lá vão os anjos de avental cuidar de Isabelas, Sofias, Lauras, Marias, Eduardas, Pedros, Bentos, Mateus, Arthurs, Marcelos, Gabriéis e do meu Matias.

Acho que, além de rezar pelo meu anjo da guarda, passarei a rezar para elas.


Pais de UTI passam seu dia no corredor do hospital
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Era para ser assim:

 De manhãzinha, antes que eu acordasse, Rita se levantaria silenciosamente, pegaria Matias no berço e o acordaria com um afago na cabeça. Então, sem fazer nenhum barulho, colocaria Matias em cima do meu peito. Eu acordaria e veria os olhos dele abertos, mirando-me fixamente, tentando entender quem seria aquele sujeito que sorria para ele. Eu encostaria meu nariz no nariz de Matias, ele daria um pequeno sorriso e soltaria um gemido de felicidade que mais pareceria um miadinho de gato.

 Mas não foi assim.

 São 8h17 da manhã de domingo. Hoje é o vigésimo-segundo dia de Matias na UTI, que nasceu prematuro. Eu e outros três pais estamos aqui no corredor do hospital, esperando que as mães acabem de amamentar para vermos nossos filhos. Eu escrevo, o segundo olha o celular, o terceiro está pensando em alguma coisa (talvez no seu dia dos pais ideal) e o quarto dorme com um ar exausto.

 Em vez de termos bebês pulando sobre nossas barrigas, estamos sentados nas poltronas do corredor do hospital. Como nossos filhos estão dentro de caixas transparentes, não poderemos apertá-los e jogá-los para cima como gostaríamos. Ou talvez não sejam eles que estejam dentro de uma caixa. Talvez nós é que estamos trancados do lado de fora. Tudo é questão de ponto de vista.

A sensação de estar tão perto e tão longe de Matias me lembra (em menor escala, é claro) um natal em que ganhei um pequeno tanque de guerra. Ele era espetacular: andava, fazia barulho, tinha pintura camuflada e até soltava um míssil. Ideal para praticar tiro ao alvo nos vasos de minha mãe. Mas meu pai se esqueceu de comprar as pilhas. O tanque estava lá, lindo em sua pintura camuflada, mas não andava, não fazia barulho e, o pior de tudo, não disparava seu míssil.

Nossa situação é um tanto triste, mas nenhum dos pais do corredor está deprimido. Pelo contrário. Não damos a menor importância em não ganhar uma caneca onde se lê “Para o melhor pai do mundo”. O que queremos é que nossos pequenos fiquem bons e saiam logo do hospital. Na verdade, como somos pais de prematuros, neste dia dos pais nem planejávamos que já fôssemos pais. Ganhamos horas extras.

Em relação à paternidade, estou meio no limbo. O homem que eu chamava de pai já se foi. E o menino que vai me chamar de pai ainda não veio. Pelo menos, não de vez. Por enquanto, é como se tivéssemos uma guarda compartilhada com o hospital. Talvez por isso nós, pais, não nos cumprimentemos. Nenhum de nós fala para outro “Feliz dia dos pais”.

Mas tudo bem. Ser pai de UTI é aprender a ser paciente. É aprender que somos reles coadjuvantes. Não carregamos nossos filhos na barriga, não damos leite, ficamos no corredor.

E, este ano, nem ganharemos presentes.

Mas no ano que vem quero minha caneca. Ou um tanque que dispara mísseis.

 

PS: Quando entrei na UTI, Matias estava com esta roupa e até esboçou um sorriso. Já ganhou um aumento de mesada.