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Arquivo : outubro 2013

Chega de moleza! É hora de criar as Olimpaiadas!
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Caros pais, caríssimas mães, nós precisamos de esporte. E de um esporte específico para nós, pais e mães.

Se há toda uma olimpíada para deficientes físicos (que é muito justa e cheia de histórias comoventes), por que não fazer uma olimpíada para os pais de bebês com, digamos, até seis meses de idade, estes pobres seres que ficam alijados da atividade esportiva?

Pois bem, aproveitando que os Jogos do Rio de Janeiro estão se aproximando, venho humildemente propor a criação das Olimpaiadas.

Comecei a pensar nestes novos jogos quando vi que meus braços, de tanto carregar o Matias, estavam com músculos que eu nunca tive antes. Então passei a observar outras atividades paternas e percebi que havia outras que mais pareciam novos esportes.  Foi assim que cheguei à Olimpaiada, que inicialmente teria sete provas, disputadas no masculino e no feminino:

Levantamento de bebê: Seria mais ou menos como a prova de levantamento de peso. O vencedor seria aquele que levantasse mais vezes o seu filho, multiplicando-se este pelo peso. Ou seja, se um pai levanta 100 vezes uma criança de 5kg, faz 500 pontos. Se outro levanta 90 vezes uma criança de 6kg faz 540 pontos. Pais de gêmeos poderiam competir com um filho em cada braço.

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Maratona: É aquela em que os pais ficam andando por várias horas com o bebê no colo, geralmente da sala para a cozinha e da cozinha para sala. Minha impressão é que passa dos 42 km. E obviamente ela terá que ser disputada de madrugada.

110 metros de corrida de carrinho com obstáculos: Numa calçada cheia de buracos (o que é bem comum), os pais terão que levar seus bebês dentro de seus carrinhos o mais rápido possível. Se o bebê chacoalhar demais e chorar, o competidor será desclassificado.

Troca artística de fraldas: Aqui, assim como na ginástica rítmica ou nos saltos ornamentais, o que vale é a estética. Ganha o pai que fizer a troca mais perfeita. Ou seja, aquele que limpar seu filho com movimentos mais harmônicos, que fizer a amarra mais perfeita e que passar o creme contra assaduras com mais arte.

100 mililitros rasos: Esta prova, de muita velocidade, depende principalmente do entrosamento entre pais e filhos. Ganha a dupla que conseguir matar 100 ml de leite mais rapidamente. Para complicar, o bebê que babar ou regurgitar será desclassificado.

Limpeza aquática: Vencerá o pai que, ao dar banho em seu bebê num determinado tempo, deixar seu bebê mais limpo. Juízes examinarão as crianças minuciosamente, procurando inclusive aqueles rolinhos que ficam escondidos nas dobrinhas do pescoço. Em caso de empate, ganha o bebê que cheirar melhor.

Tiro ao alvo: Aqui o pai não é o atirador, mas o alvo. Os pais usarão uma camisa com um alvo no peito, com uma pontuação de zero a cem pontos. Assim, a criança que fizer xixi mais perto do centro vence. Se bem que acertar o olho paterno vale 200 pontos. Acho que, nesta modalidade, eu e Matias temos grandes chances.

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O COB pode achar minha proposta um tanto absurda, mas é uma maneira de incluir os pobres genitores no mundo esportivo. E isso é bem importante, porque nós temos que abdicar de qualquer atividade física mais sistematizada. Eu, por exemplo, engordei três quilos desde que Matias nasceu.

Enfim, chega de esportes antigos e antiquados. Vamos inovar!

É ouro, Brasil!


Prematuros têm duas idades
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Nos últimos tempos tive problemas com os boletins semanais sobre desenvolvimento dos bebês.

Quando descobri que eu estava grávida, assinei todos os boletins de todos os sites que encontrei. Eu amava acompanhar o que acontecia com o bebê dentro da minha barriga. Esperava ansiosa pelo início de cada semana para descobrir qual era o peso aproximado de Matias (que na época não era nem Matias, mas Júnior-Júnior), se ele já ouvia os sons dentro do útero, se os órgãos já estavam formados, se ele já tinha cabelo ou não. E os vídeos? Eu adorava quando os boletins vinham com links para vídeos ilustrando as etapas da gravidez. Tudo muito lindo e fofo.

Mas Matias decidiu vir antes do tempo e a prematuridade não tem espaço nos sites sobre gravidez.

Enquanto Matias estava na UTI era muito cruel olhar para minha lista de e-mails e encontrar por lá informações sobre uma semana da gestação que eu não mais viveria. Passei a odiar cada boletim gestacional profundamente, porque eles me lembravam de algo que havia sido interrompido e me jogavam na cara uma realidade que estava sendo dolorosa.

Tentei descadastrá-los um a um, mas não tive sucesso. E isso só fez com que minha raiva por eles aumentasse ainda mais. Procurei em cada site um possível ajuste na ferramenta dos boletins, afinal, nem todas as mulheres darão à luz exatamente na data prevista para o parto, e eu imagino que ninguém goste de receber dicas sobre algo que deveria ter sido.

Mas, ultimamente, esses cruéis boletins sobre bebês têm chamado minha atenção novamente.

Há mais ou menos uma semana, Matias tem nos presenteado com largos sorrisos, começou a firmar o pescoço e tem acompanhado objetos interessantes com o olhar, como uma girafa amarela que faz um som estridente. No começo, achamos que ele estava espertíssimo.  Mas vimos nos boletins de desenvolvimento dos bebês que os sinais que Matias dava eram de uma criança com um mês a menos do que ele.

Meu primeiro instinto foi re-odiar esses boletins. Mas depois descobrimos com nossa pediatra que não adianta olharmos para Matias como uma criança de três meses, sua idade atual. Para acompanharmos o desenvolvimento de prematuros, a idade tem que ser corrigida de acordo com a idade gestacional. Ou seja, Matias hoje teria dois meses e não três.

Os boletins estavam certos. Agora que Matias tem 3 meses, tem que fazer as coisas de dois meses, porque nasceu de 33 semanas e meia, e não de 40.

Quando Matias fizer quatro meses, ele deverá ser capaz de dar gargalhadas, terá que estar com a cabeça firme, enxergar e reconhecer – que são coisas esperadas para crianças de três

Isso quer dizer que o mapa astral de Matias vale a partir do dia em que ele nasceu, mas o tempo corrido de seu nascimento não vale nada para medir o seu desenvolvimento. Pelo menos até ele completar um ano de vida.

Acho que não voltei a amar os boletins semanais de desenvolvimento de bebês. Mas já não os odeio. Digamos que fiz as pazes com eles.


Carta aberta ao senhor Sling
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No último texto, Rita escreveu uma carta para Shantala, a mãe que teria ensinado a massagem indiana para o doutor Frederic Leboyer, que por sua vez a ensinou para o mundo. Fiquei com inveja e por isso hoje também farei uma carta aberta. Mas para o senhor Sling. Vamos a ela:

 

“Caro senhor Sling, não sei se o senhor nasceu na Ásia, na África ou se é parente do Sting, mas desconfio que o senhor era escritor.

Penso isso porque é praticamente impossível escrever se você é pai de um bebê. Toda hora há que pegá-lo no colo, seja porque ele está com cólica, seja porque dá vontade de tê-lo por perto.

Deve-se tomar cuidado com as migalhas de pão quando se usa um sling.

O problema é que, mesmo que eu faça um malabarismo e segure-o com apenas uma mão, não é fácil digitar com a outra. Eu, que escrevo usando só com dois dedos, o indicador e o médio, passo a digitar em passo de tartaruga.

Mas com o sling tudo é divino maravilhoso. Matias fica confortável, tranquilo, e eu posso escrever com meus quatro dedos.

Além disso, o sling me deixa com um certo ar romano, ou mesmo indiano, dependendo do modo como ajeito o pano.

Para gêmeos, aconselha-se tecidos e coluna reforçados.

Imagino, caro Sling, que o senhor deve ter inventado este suporte num dia em que estava atrasado para entregar seu texto para o blog (como eu, hoje). Imagino-o atrapalhado com Sling Junior, até que pegou um lençol, deu um nó diferente e inventou uma espécie de rede para o pequeno.

Além de deixar as mãos livres, há mais uma vantagem. É que Matias já chegou aos cinco quilos, ou seja, é doce e pesado como um saco de açúcar, e levá-lo para lá e para cá está acabando com minhas costas. Mas, com o seu instrumento, o peso fica mais bem dividido. Parte vai para o ombro, que ainda não está estragado. E assim já não ando como o corcunda de Notre Dame.

O sling tem mil e uma utilidades.

Rita diz que o sling dá uma sensação de ele estar mais perto, de recuperar a barriga da gravidez. Como nunca perdi a minha, isto não me afeta tanto.

A bem da verdade, há dias em que Matias não suporta ficar no seu invento. Ele quer é colo. E aí não tem jeito. Tenho que usar as mãos mesmo.

Ou melhor, mil e duas.

Com o sling fico me sentindo um pouco canguru. E isso é bom. Lembro do canguru que fazíamos na UTI. Só que agora Matias está com o triplo do peso, o que torna sua criação muito útil.

Acho que seu invento também deve ser bom para o bebê, pois deixa-o numa posição parecida com a da gravidez. Quando ele nasce, não fica mais todo encolhidinho e vai para um berço enorme, como se fosse uma cama de motel para um adulto. O sling deve lhe devolver um pouco da sensação de acolhimento. Aliás, Matias às vezes fica numa posição de contorcionista em seu sling, mas lemos uma reportagem que diz que isso não atrapalha seu crescimento.

Uma opção mais viril de sling é o modelo cowboy.

Falam até que seu sling, senhor Sling, ajuda a diminuir as cólicas. Mas ainda não mensuramos isso. Se conseguir, será um feito e tanto, porque cólica é o principal motivo dos choros de Matias.

Enfim, caro Sling, quero agradecê-lo por sua grande invenção. Ela facilita minha vida e é o único jeito de eu ter algo em comum com Brad Pitt.

 

Um abraço, Torero.”

 

 


Carta aberta para Shantala
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Querida Shantala,

não sei o que aconteceu com você. Não sei se ainda está viva, se ainda mora na Índia, se seu filho está bem. Mas escrevo esta carta (ou post) para agradecê-la.

Fico feliz pelo doutor Leboyer ter encontrado você numa rua de Calcutá, e  percebido que a massagem que você fazia em seu bebê era algo importante para ser divulgado.

Admirei o fato de você ser paraplégica e ainda assim cuidar do seu bebê com tanta habilidade.

A primeira vez que te vi foi através de uma foto tirada pelo doutor Leboyer.

Depois conheci sua técnica pelo vídeo feito por ele. Fiquei muito impressionada com o vigor dos movimentos, o contato com a pele do bebê e a profunda intimidade que essa massagem parecia criar entre vocês.

Sei que não foi você quem inventou a técnica, muito comum em seu país, e que ela deve ter sido passada a você por sua mãe, que aprendeu com a mãe dela e assim por diante. Como tudo na Índia, deve ser uma técnica milenar.

Eu, impressionada com tudo isso, decidi tentar por aqui com meu Matias.

Como ainda estamos ilhados por conta da quarentena, não pude frequentar nenhum curso para aprender sua técnica. Desse modo, assisti a vídeos repetidas vezes na internet e esta semana me aventurei a aplicar a massagem.

Qual não foi minha surpresa quando percebi que Matias estava gostando mesmo de receber todo aquele carinho! Confesso que achava que, por não ter sido treinada por um profissional especialista na sua massagem, Matias iria chorar, espernear, e eu teria que interrompê-la em poucos segundos. Mas não.

Há algo de instintivo na massagem que você propõe. A gente parece saber a pressão, o ritmo e o tempo de cada movimento. Mas o mais impressionante é que, durante a massagem, o bebê trava um olho no olho com a gente. É aí que se estabelece uma mágica, uma sensação de cumplicidade.

Para mim, a amamentação, que deveria ser outro momento mágico, está sendo como escalar um pico do Himalaia. Tenho pouco volume de leite, meus bicos racham com frequência e sangram. Eu estava chateada porque, diante de tantas dificuldades, eu não estava conseguindo sentir a cumplicidade na relação com o Matias. Mas consegui isso aplicando sua massagem.

Aliás, aconselho a todas as mães tentarem a shantala. Quando eu faço a massagem, Matias parece mais calmo e feliz.

Nos dias seguintes às primeiras vezes, percebi que as cólicas diminuíram de intensidade. E, nos dias que eu não fiz, as cólicas pioraram.

Já experimentei dar banho depois da shantala e foi muito bom. Dar o peito depois da massagem já não foi tão eficiente, porque ele estava tão relaxado que, mal começou a sugar, dormiu profundamente.

Vou continuar experimentando: buscando a melhor hora para a massagem, o melhor lugar (por enquanto estou fazendo na minha própria cama), a melhor quantidade de movimentos.

Enfim, obrigada mais uma vez.

 

Um beijo para você e para seu filho,

Rita, do Brasil.

 

PS: Mande um abraço ao doutor Leboyer. Ou melhor, feliz aniversário, já que ele fará 95 anos no dia primeiro de novembro. Aliás, que sujeito fantástico, hein? Além de ter revelado ao mundo sua massagem, também popularizou o parto humanizado.

 

 


Meu filho é um radical de direita!
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O título acima não é relativo à posição política de Matias. Não, não é que ele acredite na Veja ou vote no Jair Bolsonaro. Seu radicalismo de direita é relativo à sua posição pescoçal.

Por conta de certas coincidências, ele olha muito mais para a direita do que para a esquerda. É que os dois berços – o do quarto dele e o do nosso -, mais o trocador estavam arrumados de modo que ele olhasse mais para a direita. Provavelmente fizemos isso porque assim usaríamos melhor a mão direita, e tanto eu quanto Rita somos destros.

Mas, quando fomos à médica, ela percebeu que Matias estava olhando mais para a direita. E seu movimento de pescoço para a esquerda estava até meio tímido, meio enferrujado.

Mal voltamos para casa e começamos uma mudança de posição radical. Tal qual Teotônio Vilela (que até virou música cantada por Milton Nascimento), trocamos a direita pela esquerda.

Invertemos o trocador e um dos berços, de modo que ficássemos sempre do seu lado esquerdo, e ele tivesse que forçar um pouco mais o pescoço para este lado. Além disso, sempre que lembramos damos a mamadeira com sua cabeça apoiada no nosso lado direito. E, mesmo quando colocamos Matias para arrotar, tentamos fazer com que ele apoie sua cabeça de um jeito que fique olhando à esquerda.

Essa inversão foi um tanto complicada para nós. Antes, para trocar Matias tínhamos o braço direito mais livre. Agora a mão esquerda é quem tem que trabalhar mais. Rita diz que sente que sua mão esquerda é enorme. Eu acho que a minha tem um monte de dedos que ficam dando nós entre si.

Dar a mamadeira com a mão esquerda é mais complicado. E passar o Bepantol com o indicador canhoto também não é fácil. Já não me sinto um hábil sushiman passando wasabi num salmão. Estou mais para uma criança tentando colorir um desenho, mas pintando mais fora do que dentro.

Mas nosso esforço não foi em vão. Em uma semana ele já ganhou mais mobilidade quando vira à esquerda. Antes seu pescocinho nem fazia a virada de noventa graus. Ficava nos quarenta e cinco, e olhe lá. Agora já estamos nos setenta e cinco, se bem me lembro das aulas de geometria. E, de vez em quando, Matias já escolhe ficar virado para o lado esquerdo espontaneamente, o que nunca acontecia.

Nestes tempos em que todo mundo se diz de esquerda, mas ninguém é de verdade, é bom saber que pelo menos Matias está se voltando para o lado do coração.


Marido nervoso, esposa neurótica
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(Torero escreve em azul. Rita, em preto)

 

A vida de pais de prematuros às vezes parece um trem fantasma: cada curva, um susto.

Acho que é o trauma da UTI.

Ficamos meio ressabiados com tudo.

Estou me achando meio neurótica.

E eu, neurótico e meio.

Esta semana levamos um grande susto: depois de uma mamada no peito, Matias regurgitou algo escuro.

Na hora eu pensei: é sangue!

Eu nem duvidei.

Rita pegou o telefone e começou a tentar encontrar nossa pediatra.

Mas não tivemos sucesso logo de cara.

Enquanto isso eu examinava a boca de Matias, para ver se havia algum ponto com sangue.

E eu examinava meu mamilo para ver se havia algum machucado. E nada.

Decidimos sair em direção ao hospital sem falar com a médica.

Mas, no meio do caminho, consegui entrar em contato com a secretária da pediatra, que nos encaixou uma consulta.

Demos meia volta e ficamos em casa esperando a hora da consulta.

Mas sempre carregando Matias de pé, no nosso colo, para que ele não regurgitasse mais. Fiquei tão tensa que lembro de sentir minha testa toda enrugada.

E eu já pensava no meu pequeno Matias sofrendo para fazer uma endoscopia.

Chegando na médica, ela examinou Matias, olhou a mancha na roupa e nos tranquilizou: devia ser apenas suco gástrico.  Confirmamos isso em casa, jogando água oxigenada sobre a mancha. Se ela espumasse, seria sangue. E não espumou.

Devíamos ter aprendido a lição. Mas não.

No dia seguinte, quando pegamos os resultados do exame de sangue de Matias, vimos que o número dos bastonetes estava muito baixo, fora do normal.

E bastonetes têm a ver com glóbulos brancos, que têm a ver com o grau de imunidade do organismo.

Pânico! Como assim? Ele estava sem glóbulos brancos? Cadê os soldadinhos que deviam protegê-lo?

Lembrei de um filme que fez sucesso há muito tempo: O menino da bolha de plástico. É tão antigo que o tal menino era o John Travolta. E ele tinha apenas 18 anos. Era a história de um menino que não tinha defesas imunológicas e tinha que viver numa bolha de plástico.

Imagine ter que isolar Matias ainda mais! Coitado. Sua quarentena, em vez de quarenta dias, ia durar quarenta anos.

Ligamos de novo para nossa pediatra, já esperando alguma má notícia.

Mas ela explicou que os números eram até esperados para prematuros.

Novamente tínhamos exagerado. E, de novo, não aprendemos a lição.

Quando eu estava dando banho em Matias, reparei que ele tinha uma pintinha vermelha, como uma mordida, no bracinho direito. Como ele vive coberto, eu pensei: Isso só pode ser uma pulga. Desgraçada!

Rita começou uma implacável caçada àquela feroz Pulex irritans.

Procurei nas roupas que ele estava usando, nas gavetas e entre os lençóis. Bati em todos os pontos pretos que achei. Mas nenhum deles tinha uma gota de sangue sequer.

Então levamos Matias para tomar vacina, e a enfermeira que nos atendeu, olhou aquela pintinha vermelha e disse: “A marquinha da vacina BCG está ótima.”

Olhamos um para o outro e não comentamos nada.

Você acha que agora nós aprendemos a lição?

Pode ter certeza que não.

 


A náufraga da ilha Maternália
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Caro leitor que lê esta mensagem, não sei se você pegou uma garrafa que atirei daqui ou se está lendo pelo computador, mas, de qualquer forma, preciso me comunicar com alguém.

Meu nome é Maria Rita Barbi e estou isolada numa ilha. A ilha Maternália.

Eu e meu filho Matias chegamos aqui no dia 13 agosto, vindos de um lugar remoto chamado UTI.

No início, não reclamei. Afinal tínhamos tevê, computador, internet e banho quente. Mas aos poucos fui tomando consciência de que tinha pouca chance de utilizar esses luxos. É que Matias consome todo meu tempo. Quando não estou dando de mamar estou embalando seu choro, trocando sua fralda, higienizando mamadeiras ou lavando sua roupa.

Por conta disso fica impossível chegar perto do computador ou da tevê. Ouvi dizer que houve um escândalo de espionagem contra o governo brasileiro, mas não sei foi a CIA, a KGB ou o 007.

Por aqui as noites e os dias se confundem. Fico acordada de madrugada e tento dormir algumas horas durante o dia. Mas não tem dado muito certo. Quem dita meu sono é Matias, e ele é meio imprevisível.

Resultado: estou com profundas olheiras e, se dou uma piscada mais lenta, já começo a sonhar.

Os cuidados pessoais foram para o brejo. Na ilha Maternália não há manicures, cabelereiros, depiladoras e afins. Lojas? Nem pensar. Um cafezinho? Só o do coador. E de vez em nunca. Minhas sobrancelhas estão quase fazendo um laço, meu cabelo está pior que o de Tom Hanks em “O náufrago”, e minhas pernas estão concorrendo com as da macaca Chita.

Tenho a impressão de que, se o Ibama me encontrar, me prenderá numa jaula para análise de espécies não catalogadas.

Não posso reclamar da alimentação. Torero, que um dia já foi escritor, hoje é um eficiente barqueiro, e passa os dias indo e vindo para o mundo exterior a fim de nos trazer suprimentos.

Tenho saudade dos amigos, de bater perna na rua e se não me engano, havia uma coisa chamada cinema que era bem divertida.

Quando o sol bate forte na minha cabeça, começo a ter miragens: vejo festas, reuniões, gente rindo e usando roupas elegantes. Aliás, falando em roupas, estou me vestindo com trapos que um dia já foram pijamas e moletons.

Sinto falta de usar bolsas e sapatos de salto. Acho que nem sei mais me maquiar. Rímel? Só rindo.

É claro que Matias é lindo, fofo e a melhor pessoa com quem eu poderia ficar numa ilha deserta. Escolhi esta vida conscientemente e não me arrependo. Mas às vezes tenho vontade de colocar meu filho nas costas e nadar até alguma ilha vizinha para fazer um social. Pena que ele ainda está em quarentena.

Enfim, estou feliz mas seria bom bater um papo de vez em quando.

Por favor, me escrevam.


A comida está na contramão!
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Ser pai de primeira viagem me deixou um tanto alarmista.

Por exemplo, quando Matias engasga ou algo assim, eu logo penso: “Meu Deus, ele não está conseguindo respirar. Vai morrer sufocado! Não fará o gol da vitória da Copa de 2034, não ganhará o Oscar de melhor diretor em 2038, não receberá o Nobel de literatura em 2040 e nem inventará a cura da gripe que matará toda a população do planeta em 2045.”

Porém, no segundo seguinte, ele desengasga. Os troféus e a humanidade estão salvos.

Sei que meu medo é um tanto exagerado, mas não há como não tê-lo. O que era para entrar está saindo. A comida está na contramão! Como disse Jesus e Pepeu Gomes repetiu: “O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem.”

Por conta dos sustos que tomei, fui estudar um pouco essas coisas que saem da boca de Matias. E vi que há diferenças.

Regurgitação é uma pequena quantidade de alimento que volta à boca porque a válvula entre o esôfago e o estômago ainda está se desenvolvendo e não consegue fechar a passagem com eficiência.

Refluxo é algo mais constante e em maior quantidade, com grande presença de sucos gástricos. Isso pode interferir no desenvolvimento da criança, prejudicando o ganho de peso.

E vômito é vômito.

Matias faz as três coisas. Muito da primeira, raramente da segunda e poucas vezes da terceira.

Mas ultimamente deu para engasgar na troca de fraldas. Eu fui pego de surpresa e nas primeiras vezes fiquei bem atrapalhado. Com uma mão levantava sua cabeça, com outra segurava a fralda suja e com a terceira limpava sua boca. Como só tenho duas mãos, às vezes uma delas tinha que fazer uma dupla função e isso causou certos problemas.

Uma enfermeira nos explicou que o engasgo acontecia na troca de fraldas porque levantávamos as perninhas dele e isso pressionava seu esôfago. Agora tomamos certo cuidado nas trocas. Logo que notamos um engasgo, damos um tempinho e depois fazemos a limpeza com Matias de lado.

Outra providência foi comprar um travesseiro antirrefluxo. Ele tem um formato de triângulo e faz com que a cabeça de Matias fique um pouco mais alta. Não resolve o problema, mas dá uma ajudinha.

O susto maior veio por estes dias, quando Matias, depois de tomar uma saraivada de vacinas, vomitou feito a menina do filme “O Exorcista”. Só que, em vez de uma gosma verde, saiu leite. E eu e Rita ficamos um bocado apreensivos. Será que devemos levá-lo a um médico? Será que ele está possuído?

Nem uma coisa nem outra. Foi só um acidente de percurso. Não voltou a acontecer.

Agora, depois de algumas camisas manchadas, já estou mais acostumado com as coisas que saem pela boca de Matias. Tanto que até fiz uma musiquinha, que canto na hora de trocá-lo. Aproveitei uns pedaços da melodia de Aquarela do Brasil e dei uma mexida na letra, que ficou assim:

Matias,
Meu Matias Torero,
Meu garoto matreiro,
Vou cantar-te nos meus versos.
 
O Matias vai engasgar.
É refluxo, mira pra lá.
Matias, faça o favor:
Não vomite no cobertor.
 
Abre a boca com cuidado
Senão sai leite golfado
E vou ficar todo molhado.
Esse guri lindo e trigueiro
Se chama Matias Torero
E me meleca por inteiro.
Matias…, Matias…,
Matias…, Matias…
 

Quando amamentar é tirar leite de pedra
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Amamentar não é fácil. Pelo contrário. Foi isso que descobri com as dezenas de e-mails, comentários aqui no blog e histórias que recebi via Facebook. Tudo por conta do último texto (http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/09/28/cade-o-meu-leite/).

Essas mensagens me mostraram que meu problema não é nada raro. Muitas mulheres têm que enfrentar obstáculos nesse ato tão delicado que é dar leite para um filho.

Minha mãe e minha sogra revelaram que suas experiências não foram uma sopa no mel. As duas tiveram mastite. E eu e Torero mamamos no peito somente até os três meses de idade.

Márcia me contou que também teve problemas para amamentar seu primogênito, que nasceu com 36 semanas de gestação. Assim como eu, ela não tinha leite suficiente no começo, mas aos poucos, com diversas técnicas e acompanhamento de uma doula, conseguiu reverter o quadro e chegou ao aleitamento materno exclusivo. Ela me disse: “Parece que tudo conspira para que a mulher desista de amamentar. Mas temos que persistir.”

Já Silvia teve leite em abundância para sua pequena Ana. Mas tinha que tomar um remédio que o deixava com sabor ruim, e Ana não o sugava por nada. “Desesperada, eu comecei a chorar, peguei um ônibus e fui até a faculdade onde meu marido estudava. Eu falei para ele: ‘O meu leite está ruim, a Aninha não vai tomar nada e vai morrer de fome!’. Então o marido, com simplicidade masculina, disse: “Ela pode tomar leite em pó.”

Jacque escreveu que teve muito leite para suas duas filhas mais velhas, mas para sua caçula Helena inexplicavelmente não houve leite suficiente. Ela chorou, se lamentou, mas depois viu que não havia nada demais em dar a mamadeira. E confessa que esta está sendo a melhor “maternagem” de sua vida. Helena é uma criança de dez meses saudável e feliz.

A verdade é que a amamentação exclusiva com leite materno está enraizada na nossa cultura mais como um dever da mãe do que um direito do bebê. Por isso, quando as mulheres não conseguem cumprir esse papel na plenitude por várias razões, há um sofrimento inevitável. A amamentação deve ser uma opção, uma escolha da mãe. Só assim a discriminação contra as mulheres que não amamentam por diversas razões seria combatida.

Há mulheres que escolheram não amamentar de forma consciente. Uma senhora me confessou que amamentou cada uma das filhas, hoje mulheres com mais de trinta anos, por apenas um mês. Ela não suportou a dor nos mamilos, que rachavam e sangravam, e decidiu parar. Ficou feliz com sua decisão e nunca se arrependeu.

Já outra amiga disse que encasquetou que tinha pouco leite para sua filha, hoje com três anos. “Aí que o leite não vinha mesmo”, e ela desistiu de amamentar a pequena com três meses e meio de vida. Mas diz que se arrependeu e se arrependerá dessa decisão até o fim da vida, e que poderia ter tentado mais.

Muitas mulheres com pouco leite não desistem. É o caso de Caru, Suca e Samanta.

Caru diz que está “passando pelo mesmo perrengue”. Mas ela avisa: “Farei como você, Barbi, enquanto eu tiver 20 ml por mamada, o Artur ganhará o meu carinho, não desistirei. Força!”

Suca recorreu a uma medicação para ter mais leite, o Motilium. “Tive resultado, o peito encheu de leite. Mas o receio de passar alguma droga através do leite para ela me fez parar. Hoje administro a minha enorme frustração para não enlouquecer e tiro com a bombinha os poucos mililitros que me restam, mas ainda tenho muita esperança.”

Samanta usou de tudo: bomba manual, bomba elétrica alugada, ordenha manual e até uma sonda colada ao bico do seio. “Aí quando ela sugava o meu peito saíam os dois leites”. Ela diz que não foi fácil, mas valeu a pena. “Creio que toda mãe que tenha essa vontade deve tentar de tudo para que seu pouco leite seja dado ao seu filho. É uma grande demonstração de amor.”

Depois de todas essas histórias, entendi porque há tanta propaganda a favor do aleitamento materno. É que não é fácil mesmo. Às vezes amamentar é tirar leite de pedra.

 


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