Barrigudos

Pais de UTI passam seu dia no corredor do hospital

Barrigudos

Era para ser assim:

 De manhãzinha, antes que eu acordasse, Rita se levantaria silenciosamente, pegaria Matias no berço e o acordaria com um afago na cabeça. Então, sem fazer nenhum barulho, colocaria Matias em cima do meu peito. Eu acordaria e veria os olhos dele abertos, mirando-me fixamente, tentando entender quem seria aquele sujeito que sorria para ele. Eu encostaria meu nariz no nariz de Matias, ele daria um pequeno sorriso e soltaria um gemido de felicidade que mais pareceria um miadinho de gato.

 Mas não foi assim.

 São 8h17 da manhã de domingo. Hoje é o vigésimo-segundo dia de Matias na UTI, que nasceu prematuro. Eu e outros três pais estamos aqui no corredor do hospital, esperando que as mães acabem de amamentar para vermos nossos filhos. Eu escrevo, o segundo olha o celular, o terceiro está pensando em alguma coisa (talvez no seu dia dos pais ideal) e o quarto dorme com um ar exausto.

 Em vez de termos bebês pulando sobre nossas barrigas, estamos sentados nas poltronas do corredor do hospital. Como nossos filhos estão dentro de caixas transparentes, não poderemos apertá-los e jogá-los para cima como gostaríamos. Ou talvez não sejam eles que estejam dentro de uma caixa. Talvez nós é que estamos trancados do lado de fora. Tudo é questão de ponto de vista.

A sensação de estar tão perto e tão longe de Matias me lembra (em menor escala, é claro) um natal em que ganhei um pequeno tanque de guerra. Ele era espetacular: andava, fazia barulho, tinha pintura camuflada e até soltava um míssil. Ideal para praticar tiro ao alvo nos vasos de minha mãe. Mas meu pai se esqueceu de comprar as pilhas. O tanque estava lá, lindo em sua pintura camuflada, mas não andava, não fazia barulho e, o pior de tudo, não disparava seu míssil.

Nossa situação é um tanto triste, mas nenhum dos pais do corredor está deprimido. Pelo contrário. Não damos a menor importância em não ganhar uma caneca onde se lê “Para o melhor pai do mundo”. O que queremos é que nossos pequenos fiquem bons e saiam logo do hospital. Na verdade, como somos pais de prematuros, neste dia dos pais nem planejávamos que já fôssemos pais. Ganhamos horas extras.

Em relação à paternidade, estou meio no limbo. O homem que eu chamava de pai já se foi. E o menino que vai me chamar de pai ainda não veio. Pelo menos, não de vez. Por enquanto, é como se tivéssemos uma guarda compartilhada com o hospital. Talvez por isso nós, pais, não nos cumprimentemos. Nenhum de nós fala para outro ''Feliz dia dos pais''.

Mas tudo bem. Ser pai de UTI é aprender a ser paciente. É aprender que somos reles coadjuvantes. Não carregamos nossos filhos na barriga, não damos leite, ficamos no corredor.

E, este ano, nem ganharemos presentes.

Mas no ano que vem quero minha caneca. Ou um tanque que dispara mísseis.

 

PS: Quando entrei na UTI, Matias estava com esta roupa e até esboçou um sorriso. Já ganhou um aumento de mesada.