Barrigudos

Marido nervoso, esposa neurótica

Barrigudos

(Torero escreve em azul. Rita, em preto)

 

A vida de pais de prematuros às vezes parece um trem fantasma: cada curva, um susto.

Acho que é o trauma da UTI.

Ficamos meio ressabiados com tudo.

Estou me achando meio neurótica.

E eu, neurótico e meio.

Esta semana levamos um grande susto: depois de uma mamada no peito, Matias regurgitou algo escuro.

Na hora eu pensei: é sangue!

Eu nem duvidei.

Rita pegou o telefone e começou a tentar encontrar nossa pediatra.

Mas não tivemos sucesso logo de cara.

Enquanto isso eu examinava a boca de Matias, para ver se havia algum ponto com sangue.

E eu examinava meu mamilo para ver se havia algum machucado. E nada.

Decidimos sair em direção ao hospital sem falar com a médica.

Mas, no meio do caminho, consegui entrar em contato com a secretária da pediatra, que nos encaixou uma consulta.

Demos meia volta e ficamos em casa esperando a hora da consulta.

Mas sempre carregando Matias de pé, no nosso colo, para que ele não regurgitasse mais. Fiquei tão tensa que lembro de sentir minha testa toda enrugada.

E eu já pensava no meu pequeno Matias sofrendo para fazer uma endoscopia.

Chegando na médica, ela examinou Matias, olhou a mancha na roupa e nos tranquilizou: devia ser apenas suco gástrico.  Confirmamos isso em casa, jogando água oxigenada sobre a mancha. Se ela espumasse, seria sangue. E não espumou.

Devíamos ter aprendido a lição. Mas não.

No dia seguinte, quando pegamos os resultados do exame de sangue de Matias, vimos que o número dos bastonetes estava muito baixo, fora do normal.

E bastonetes têm a ver com glóbulos brancos, que têm a ver com o grau de imunidade do organismo.

Pânico! Como assim? Ele estava sem glóbulos brancos? Cadê os soldadinhos que deviam protegê-lo?

Lembrei de um filme que fez sucesso há muito tempo: O menino da bolha de plástico. É tão antigo que o tal menino era o John Travolta. E ele tinha apenas 18 anos. Era a história de um menino que não tinha defesas imunológicas e tinha que viver numa bolha de plástico.

Imagine ter que isolar Matias ainda mais! Coitado. Sua quarentena, em vez de quarenta dias, ia durar quarenta anos.

Ligamos de novo para nossa pediatra, já esperando alguma má notícia.

Mas ela explicou que os números eram até esperados para prematuros.

Novamente tínhamos exagerado. E, de novo, não aprendemos a lição.

Quando eu estava dando banho em Matias, reparei que ele tinha uma pintinha vermelha, como uma mordida, no bracinho direito. Como ele vive coberto, eu pensei: Isso só pode ser uma pulga. Desgraçada!

Rita começou uma implacável caçada àquela feroz Pulex irritans.

Procurei nas roupas que ele estava usando, nas gavetas e entre os lençóis. Bati em todos os pontos pretos que achei. Mas nenhum deles tinha uma gota de sangue sequer.

Então levamos Matias para tomar vacina, e a enfermeira que nos atendeu, olhou aquela pintinha vermelha e disse: “A marquinha da vacina BCG está ótima.”

Olhamos um para o outro e não comentamos nada.

Você acha que agora nós aprendemos a lição?

Pode ter certeza que não.