A Fuga da Ilha Maternália
Barrigudos
(Hoje, Rita escreve em preto e Torero, em azul)
Consegui! Depois de três meses de confinamento, fugimos da ilha Maternália!
A quarentena de Matias já havia sido afrouxada pela médica. Mas isso não bastava. Havia vários outros “ses”. Só poderíamos sair se não houvesse perigo de chuva, se o sol não estivesse terrível, se não estivesse muito frio e se não houvesse trânsito nas ruas.
Então olhamos pela janela e tudo estava perfeito. Todos os “ses” tinham se tornado realidade.
Eu gritei: “Vamos levar o Matias para passear!”
Eu nem acreditei, porque Rita parecia ter abraçado a vida de eremita para sempre, cuidando de Matias sem sair de casa. Eu já a tinha convidado algumas vezes para sairmos com ele, mas ela sempre achava algum obstáculo instransponível, como uma perigosa brisa.
Comecei a preparar o carrinho para saída. E passei a explorá-lo, porque até então ele só servia como uma caminha para Matias. Foi aí que descobri como o carrinho dobrava, que ele tinha freio e que possuía várias bolsas.
Tratei de arrumar Matias rapidamente, antes que Rita mudasse de ideia.
Ele ficou lindinho, com body dos Beatles, calça jeans e meias xadrezinhas. Mas faltava um chapéu. Ele não podia sair na rua sem um chapéu.
Testamos alguns modelos. Ganhou um boné que combinava com a meia.
O carrinho mal cabia no elevador. E eu mal cabia de ansiedade. Seria meu primeiro passeio desde que a bolsa estourou (se você não leu este texto, clique aqui: http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/07/23/nasceu/).
Gildásio, o porteiro, abriu um sorriso e o portão dos carros. Foi uma saída em grande estilo.
Ele me disse: “A senhora estava sumida, hein dona Maria Rita?”
Quando saímos do prédio, percebemos que o passeio teria um toque de aventura. É que as calçadas de São Paulo são uma prova de rali. Elas têm buracos, árvores, são estreitas e possuem minas (não as explosivas, as de cocô).
Matias chacoalhava feito aqueles bonequinhos com pescoço de mola que ficam no painel do carro. Pensei que ele fosse começar a chorar, que teríamos que voltar a qualquer momento, mas não.
Ele dormiu.
Andamos por um quilômetro. Mil metros! Eu não andava tanto desde o meu parto. Estava tão contente que cumprimentava todo mundo que passava.
Aí decidimos que já tínhamos andado bastante.
Na volta, as nuvens se abriram e o sol ficou mais forte.
Matias acordou e começou a chorar.
Fechamos a “capota” do carrinho e apertamos o passo.
Chegamos em casa suados. Todos os três.
Mas valeu a pena. A sensação de liberdade, de finalmente poder levar o filho para a rua, para a vida comum, foi uma delícia. Há três meses ele estava numa incubadora, e o céu, para ele, era o teto da sala de UTI.
Domingo ele viu céu de verdade. E árvores. E nuvens. Viu tanta coisa que, depois que chegou em casa, foi difícil de dormir.
Mas, quando dormiu, gostou do que sonhou.