Barrigudos

“A dor que se sente na própria pele é sempre maior”

Barrigudos

Hoje, quem conta a sua história é um pai, Marco Nicola, que revela sentimentos que todos na UTI temos (e escondemos).

O nascimento de Maria Fernanda

Maria Fernanda chega ao mundo

Como todos os que escreveram aqui sobre esse assunto, também vivi durante um tempo com minha bebê na UTI. Durante os dias em que minha filha esteve internada, pude experimentar diversos sentimentos, entre eles, vários picos de alegria e medo, muito medo.

Mas a sensação mais curiosa que eu pude observar nesse período foi a percepção de quanto o nosso problema é sempre o pior de todos, não importa o quanto de ruim aconteça com o seu próximo, a dor que você sente na sua própria pele é sempre maior! Isso pode soar deveras egoísta, mas infelizmente é verdade. E estive dos dois lados desse sentimento…

Era início do período de internação, minha filha estava entubada, recebendo várias medicações e eu e minha esposa estávamos com o coração mais apertado do que nunca, afinal, nossa pequena princesa havia nascido prematura e corria risco de vida, assim como vários outros bebês daquela sala da UTI, onde ficavam alguns dos casos mais graves. Então, em um dia pela manhã, uma das incubadoras aparece vazia, ninguém pergunta nada, mas todos sabem o que aconteceu. Essa é uma situação que infelizmente se repetiu mais de uma vez…

E aí que o sentimento aparece, a mais horrível das sensações de felicidade. Sim, usei a palavra felicidade, pois, ao contrário do outro bebê, minha filha estava viva! Sim, é horrível quando colocado dessa forma, mais quem eu mais amava estava viva! Podem me apedrejar, me chamem de insensível e egoísta, mas nesse momento eu olhava para um bebezinho de menos de 1kg que se agarrava a vida com  todas as suas forças. E esse bebezinho que eu olhava era nada mais nada menos que o MEU bebezinho, MINHA pequena Maria Fernanda.

Mas minha vez iria chegar…

Maria Fernanda toma leite por uma pequena seringa.

Maria Fernanda toma leite por uma pequena seringa.

Passados longos meses de UTI você começa a se acostumar com a rotina do hospital. Com o corredor onde ficam os pais, com os horários das mamadas e com a troca de turno da equipe de enfermagem. Entre esses momentos sempre há grupinhos conversando, falando sobre os bebês, sobre pareceres médicos e outros assuntos. E inevitavelmente surgem as conversas sobre o tempo de internação e a expectativa da alta. Foi quando alguns pais estavam exaustos daquela rotina, estavam lá, de acordo com eles, há “longas” duas semanas. As esposas perto de um ataque de nervos, diziam eles, situação insustentável. Os médicos deveriam dar a alta logo…!!! Foi então que olharam para mim e perguntaram há quanto tempo eu estava lá. Quatro meses, foi minha resposta naquela época. Foi inevitável, no rosto deles havia uma expressão de pena, mas era como se eu pudesse ver o alívio de suas almas, pois nenhum deles ficaria mais que duas ou três semanas. Alguns bebês apenas tomavam banho de luz por causa de icterícia… Eu quase podia ver a tal da horrível felicidade tomando conta dos seus corações. Era muito triste para eles saberem que alguém estava ali já há quatro meses, mas esse alguém não era nenhum deles… Era minha vez de estar do lado do sofrimento maior, mas eu não podia julgá-los de forma alguma, pois quem tem um filho sabe qual é esse sentimento, essa ligação, esse impulso por cuidar e proteger. É o bem mais precioso!

E é isso que nos impulsiona para frente. Não me importava o quanto os filhos deles estavam em melhor ou pior situação que minha filha. O foco sempre foi todo para ela, não havia mais nada além dela!

E quando eu já achava que o meu fardo poderia estar entre os mais pesados de todos, chegava a notícia de algum bebê que havia passado por uma cirurgia minutos após o nascimento. Minutos após o nascimento! Como é possível…? E instantaneamente meu fardo ficava um pouco mais leve.

O pezinho de Maria Fernanda

O pezinho de Maria Fernanda

Maria Fernanda nasceu dia 15 de agosto de 2013, como apenas 825 gramas. Considerada prematura extrema, não foi para o colo da mãe após o nascimento, e sim para uma incubadora. Foi entubada depois de nascer e, semanas depois, quando já estava em ar ambiente, foi mais uma vez entubada após o rompimento de um vaso sanguíneo na sua cabecinha. Foram duas convulsões por causa disso, vários medicamentos e procedimentos. Hemorragia de grau 3, que Maria Fernanda tirou de letra e seu organismo absorveu tudo, sem deixar sequelas. Esse período, das hemorragias e convulsões, foi particularmente marcado pelo “longo” corredor. A sala da minha filha era a última do corredor, que não tinha mais que uns 15 metros, mas, percorrê-lo todas as manhãs, esperando que nada tivesse acontecido durante a noite, era uma ansiedade sem igual. Principalmente se ao final do corredor houvesse o encontro com a porta fechada devido a algum procedimento em algum dos bebês. Sempre pairava a pergunta: “Será algo com Maria Fernanda?”.

Durante toda a internação, foram dois PICs, a dissecação de uma veia do pescoço para receber medicação e diversos furinhos para colher sangue. A contínua esperança das noites sem intercorrências (palavrinha assustadora) e da melhoria dos parâmetros, principalmente o torturante número que indica a saturação de O2. E veio então a briga com os aparelhos para respirar sozinha e depois a briga para mamar todo o volume estipulado, sem usar a sonda. Uma cirurgia cardíaca para fechar uma CIA, com direito até a mudança de hospital e depois retornar para a UTI Neonatal. E então, depois disso tudo, a tão sonhada alta…

Dia 18 de fevereiro viemos para casa, após 6 meses e 3 dias de UTI.

Nesse período participei da vida de duas das mulheres com uma força que eu jamais pude imaginar que existisse. Minha esposa, que todos os dias deixava seu coração no hospital ao voltar para casa sem nossa filha. Que brigava com os médicos e com as enfermeiras, que dormia no hospital, que tirava leite cinco vezes por dia. Que sempre esteve ao lado da nossa filha e nunca duvidou da sua vitória.

E no meio de todo esse furacão, bem no centro mesmo, a mais forte de todas as mulheres. Aquela que se agarrou a cada sopro de vida para ser vencedora: MINHA FILHA.

 

Finalmente em casa

Hoje faz uma semana que Maria Fernanda está em casa