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Carta aberta para Shantala
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Querida Shantala,

não sei o que aconteceu com você. Não sei se ainda está viva, se ainda mora na Índia, se seu filho está bem. Mas escrevo esta carta (ou post) para agradecê-la.

Fico feliz pelo doutor Leboyer ter encontrado você numa rua de Calcutá, e  percebido que a massagem que você fazia em seu bebê era algo importante para ser divulgado.

Admirei o fato de você ser paraplégica e ainda assim cuidar do seu bebê com tanta habilidade.

A primeira vez que te vi foi através de uma foto tirada pelo doutor Leboyer.

Depois conheci sua técnica pelo vídeo feito por ele. Fiquei muito impressionada com o vigor dos movimentos, o contato com a pele do bebê e a profunda intimidade que essa massagem parecia criar entre vocês.

Sei que não foi você quem inventou a técnica, muito comum em seu país, e que ela deve ter sido passada a você por sua mãe, que aprendeu com a mãe dela e assim por diante. Como tudo na Índia, deve ser uma técnica milenar.

Eu, impressionada com tudo isso, decidi tentar por aqui com meu Matias.

Como ainda estamos ilhados por conta da quarentena, não pude frequentar nenhum curso para aprender sua técnica. Desse modo, assisti a vídeos repetidas vezes na internet e esta semana me aventurei a aplicar a massagem.

Qual não foi minha surpresa quando percebi que Matias estava gostando mesmo de receber todo aquele carinho! Confesso que achava que, por não ter sido treinada por um profissional especialista na sua massagem, Matias iria chorar, espernear, e eu teria que interrompê-la em poucos segundos. Mas não.

Há algo de instintivo na massagem que você propõe. A gente parece saber a pressão, o ritmo e o tempo de cada movimento. Mas o mais impressionante é que, durante a massagem, o bebê trava um olho no olho com a gente. É aí que se estabelece uma mágica, uma sensação de cumplicidade.

Para mim, a amamentação, que deveria ser outro momento mágico, está sendo como escalar um pico do Himalaia. Tenho pouco volume de leite, meus bicos racham com frequência e sangram. Eu estava chateada porque, diante de tantas dificuldades, eu não estava conseguindo sentir a cumplicidade na relação com o Matias. Mas consegui isso aplicando sua massagem.

Aliás, aconselho a todas as mães tentarem a shantala. Quando eu faço a massagem, Matias parece mais calmo e feliz.

Nos dias seguintes às primeiras vezes, percebi que as cólicas diminuíram de intensidade. E, nos dias que eu não fiz, as cólicas pioraram.

Já experimentei dar banho depois da shantala e foi muito bom. Dar o peito depois da massagem já não foi tão eficiente, porque ele estava tão relaxado que, mal começou a sugar, dormiu profundamente.

Vou continuar experimentando: buscando a melhor hora para a massagem, o melhor lugar (por enquanto estou fazendo na minha própria cama), a melhor quantidade de movimentos.

Enfim, obrigada mais uma vez.

 

Um beijo para você e para seu filho,

Rita, do Brasil.

 

PS: Mande um abraço ao doutor Leboyer. Ou melhor, feliz aniversário, já que ele fará 95 anos no dia primeiro de novembro. Aliás, que sujeito fantástico, hein? Além de ter revelado ao mundo sua massagem, também popularizou o parto humanizado.

 

 


Meu filho é um radical de direita!
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O título acima não é relativo à posição política de Matias. Não, não é que ele acredite na Veja ou vote no Jair Bolsonaro. Seu radicalismo de direita é relativo à sua posição pescoçal.

Por conta de certas coincidências, ele olha muito mais para a direita do que para a esquerda. É que os dois berços – o do quarto dele e o do nosso -, mais o trocador estavam arrumados de modo que ele olhasse mais para a direita. Provavelmente fizemos isso porque assim usaríamos melhor a mão direita, e tanto eu quanto Rita somos destros.

Mas, quando fomos à médica, ela percebeu que Matias estava olhando mais para a direita. E seu movimento de pescoço para a esquerda estava até meio tímido, meio enferrujado.

Mal voltamos para casa e começamos uma mudança de posição radical. Tal qual Teotônio Vilela (que até virou música cantada por Milton Nascimento), trocamos a direita pela esquerda.

Invertemos o trocador e um dos berços, de modo que ficássemos sempre do seu lado esquerdo, e ele tivesse que forçar um pouco mais o pescoço para este lado. Além disso, sempre que lembramos damos a mamadeira com sua cabeça apoiada no nosso lado direito. E, mesmo quando colocamos Matias para arrotar, tentamos fazer com que ele apoie sua cabeça de um jeito que fique olhando à esquerda.

Essa inversão foi um tanto complicada para nós. Antes, para trocar Matias tínhamos o braço direito mais livre. Agora a mão esquerda é quem tem que trabalhar mais. Rita diz que sente que sua mão esquerda é enorme. Eu acho que a minha tem um monte de dedos que ficam dando nós entre si.

Dar a mamadeira com a mão esquerda é mais complicado. E passar o Bepantol com o indicador canhoto também não é fácil. Já não me sinto um hábil sushiman passando wasabi num salmão. Estou mais para uma criança tentando colorir um desenho, mas pintando mais fora do que dentro.

Mas nosso esforço não foi em vão. Em uma semana ele já ganhou mais mobilidade quando vira à esquerda. Antes seu pescocinho nem fazia a virada de noventa graus. Ficava nos quarenta e cinco, e olhe lá. Agora já estamos nos setenta e cinco, se bem me lembro das aulas de geometria. E, de vez em quando, Matias já escolhe ficar virado para o lado esquerdo espontaneamente, o que nunca acontecia.

Nestes tempos em que todo mundo se diz de esquerda, mas ninguém é de verdade, é bom saber que pelo menos Matias está se voltando para o lado do coração.


Marido nervoso, esposa neurótica
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(Torero escreve em azul. Rita, em preto)

 

A vida de pais de prematuros às vezes parece um trem fantasma: cada curva, um susto.

Acho que é o trauma da UTI.

Ficamos meio ressabiados com tudo.

Estou me achando meio neurótica.

E eu, neurótico e meio.

Esta semana levamos um grande susto: depois de uma mamada no peito, Matias regurgitou algo escuro.

Na hora eu pensei: é sangue!

Eu nem duvidei.

Rita pegou o telefone e começou a tentar encontrar nossa pediatra.

Mas não tivemos sucesso logo de cara.

Enquanto isso eu examinava a boca de Matias, para ver se havia algum ponto com sangue.

E eu examinava meu mamilo para ver se havia algum machucado. E nada.

Decidimos sair em direção ao hospital sem falar com a médica.

Mas, no meio do caminho, consegui entrar em contato com a secretária da pediatra, que nos encaixou uma consulta.

Demos meia volta e ficamos em casa esperando a hora da consulta.

Mas sempre carregando Matias de pé, no nosso colo, para que ele não regurgitasse mais. Fiquei tão tensa que lembro de sentir minha testa toda enrugada.

E eu já pensava no meu pequeno Matias sofrendo para fazer uma endoscopia.

Chegando na médica, ela examinou Matias, olhou a mancha na roupa e nos tranquilizou: devia ser apenas suco gástrico.  Confirmamos isso em casa, jogando água oxigenada sobre a mancha. Se ela espumasse, seria sangue. E não espumou.

Devíamos ter aprendido a lição. Mas não.

No dia seguinte, quando pegamos os resultados do exame de sangue de Matias, vimos que o número dos bastonetes estava muito baixo, fora do normal.

E bastonetes têm a ver com glóbulos brancos, que têm a ver com o grau de imunidade do organismo.

Pânico! Como assim? Ele estava sem glóbulos brancos? Cadê os soldadinhos que deviam protegê-lo?

Lembrei de um filme que fez sucesso há muito tempo: O menino da bolha de plástico. É tão antigo que o tal menino era o John Travolta. E ele tinha apenas 18 anos. Era a história de um menino que não tinha defesas imunológicas e tinha que viver numa bolha de plástico.

Imagine ter que isolar Matias ainda mais! Coitado. Sua quarentena, em vez de quarenta dias, ia durar quarenta anos.

Ligamos de novo para nossa pediatra, já esperando alguma má notícia.

Mas ela explicou que os números eram até esperados para prematuros.

Novamente tínhamos exagerado. E, de novo, não aprendemos a lição.

Quando eu estava dando banho em Matias, reparei que ele tinha uma pintinha vermelha, como uma mordida, no bracinho direito. Como ele vive coberto, eu pensei: Isso só pode ser uma pulga. Desgraçada!

Rita começou uma implacável caçada àquela feroz Pulex irritans.

Procurei nas roupas que ele estava usando, nas gavetas e entre os lençóis. Bati em todos os pontos pretos que achei. Mas nenhum deles tinha uma gota de sangue sequer.

Então levamos Matias para tomar vacina, e a enfermeira que nos atendeu, olhou aquela pintinha vermelha e disse: “A marquinha da vacina BCG está ótima.”

Olhamos um para o outro e não comentamos nada.

Você acha que agora nós aprendemos a lição?

Pode ter certeza que não.

 


A náufraga da ilha Maternália
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Caro leitor que lê esta mensagem, não sei se você pegou uma garrafa que atirei daqui ou se está lendo pelo computador, mas, de qualquer forma, preciso me comunicar com alguém.

Meu nome é Maria Rita Barbi e estou isolada numa ilha. A ilha Maternália.

Eu e meu filho Matias chegamos aqui no dia 13 agosto, vindos de um lugar remoto chamado UTI.

No início, não reclamei. Afinal tínhamos tevê, computador, internet e banho quente. Mas aos poucos fui tomando consciência de que tinha pouca chance de utilizar esses luxos. É que Matias consome todo meu tempo. Quando não estou dando de mamar estou embalando seu choro, trocando sua fralda, higienizando mamadeiras ou lavando sua roupa.

Por conta disso fica impossível chegar perto do computador ou da tevê. Ouvi dizer que houve um escândalo de espionagem contra o governo brasileiro, mas não sei foi a CIA, a KGB ou o 007.

Por aqui as noites e os dias se confundem. Fico acordada de madrugada e tento dormir algumas horas durante o dia. Mas não tem dado muito certo. Quem dita meu sono é Matias, e ele é meio imprevisível.

Resultado: estou com profundas olheiras e, se dou uma piscada mais lenta, já começo a sonhar.

Os cuidados pessoais foram para o brejo. Na ilha Maternália não há manicures, cabelereiros, depiladoras e afins. Lojas? Nem pensar. Um cafezinho? Só o do coador. E de vez em nunca. Minhas sobrancelhas estão quase fazendo um laço, meu cabelo está pior que o de Tom Hanks em “O náufrago”, e minhas pernas estão concorrendo com as da macaca Chita.

Tenho a impressão de que, se o Ibama me encontrar, me prenderá numa jaula para análise de espécies não catalogadas.

Não posso reclamar da alimentação. Torero, que um dia já foi escritor, hoje é um eficiente barqueiro, e passa os dias indo e vindo para o mundo exterior a fim de nos trazer suprimentos.

Tenho saudade dos amigos, de bater perna na rua e se não me engano, havia uma coisa chamada cinema que era bem divertida.

Quando o sol bate forte na minha cabeça, começo a ter miragens: vejo festas, reuniões, gente rindo e usando roupas elegantes. Aliás, falando em roupas, estou me vestindo com trapos que um dia já foram pijamas e moletons.

Sinto falta de usar bolsas e sapatos de salto. Acho que nem sei mais me maquiar. Rímel? Só rindo.

É claro que Matias é lindo, fofo e a melhor pessoa com quem eu poderia ficar numa ilha deserta. Escolhi esta vida conscientemente e não me arrependo. Mas às vezes tenho vontade de colocar meu filho nas costas e nadar até alguma ilha vizinha para fazer um social. Pena que ele ainda está em quarentena.

Enfim, estou feliz mas seria bom bater um papo de vez em quando.

Por favor, me escrevam.


A comida está na contramão!
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Ser pai de primeira viagem me deixou um tanto alarmista.

Por exemplo, quando Matias engasga ou algo assim, eu logo penso: “Meu Deus, ele não está conseguindo respirar. Vai morrer sufocado! Não fará o gol da vitória da Copa de 2034, não ganhará o Oscar de melhor diretor em 2038, não receberá o Nobel de literatura em 2040 e nem inventará a cura da gripe que matará toda a população do planeta em 2045.”

Porém, no segundo seguinte, ele desengasga. Os troféus e a humanidade estão salvos.

Sei que meu medo é um tanto exagerado, mas não há como não tê-lo. O que era para entrar está saindo. A comida está na contramão! Como disse Jesus e Pepeu Gomes repetiu: “O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem.”

Por conta dos sustos que tomei, fui estudar um pouco essas coisas que saem da boca de Matias. E vi que há diferenças.

Regurgitação é uma pequena quantidade de alimento que volta à boca porque a válvula entre o esôfago e o estômago ainda está se desenvolvendo e não consegue fechar a passagem com eficiência.

Refluxo é algo mais constante e em maior quantidade, com grande presença de sucos gástricos. Isso pode interferir no desenvolvimento da criança, prejudicando o ganho de peso.

E vômito é vômito.

Matias faz as três coisas. Muito da primeira, raramente da segunda e poucas vezes da terceira.

Mas ultimamente deu para engasgar na troca de fraldas. Eu fui pego de surpresa e nas primeiras vezes fiquei bem atrapalhado. Com uma mão levantava sua cabeça, com outra segurava a fralda suja e com a terceira limpava sua boca. Como só tenho duas mãos, às vezes uma delas tinha que fazer uma dupla função e isso causou certos problemas.

Uma enfermeira nos explicou que o engasgo acontecia na troca de fraldas porque levantávamos as perninhas dele e isso pressionava seu esôfago. Agora tomamos certo cuidado nas trocas. Logo que notamos um engasgo, damos um tempinho e depois fazemos a limpeza com Matias de lado.

Outra providência foi comprar um travesseiro antirrefluxo. Ele tem um formato de triângulo e faz com que a cabeça de Matias fique um pouco mais alta. Não resolve o problema, mas dá uma ajudinha.

O susto maior veio por estes dias, quando Matias, depois de tomar uma saraivada de vacinas, vomitou feito a menina do filme “O Exorcista”. Só que, em vez de uma gosma verde, saiu leite. E eu e Rita ficamos um bocado apreensivos. Será que devemos levá-lo a um médico? Será que ele está possuído?

Nem uma coisa nem outra. Foi só um acidente de percurso. Não voltou a acontecer.

Agora, depois de algumas camisas manchadas, já estou mais acostumado com as coisas que saem pela boca de Matias. Tanto que até fiz uma musiquinha, que canto na hora de trocá-lo. Aproveitei uns pedaços da melodia de Aquarela do Brasil e dei uma mexida na letra, que ficou assim:

Matias,
Meu Matias Torero,
Meu garoto matreiro,
Vou cantar-te nos meus versos.
 
O Matias vai engasgar.
É refluxo, mira pra lá.
Matias, faça o favor:
Não vomite no cobertor.
 
Abre a boca com cuidado
Senão sai leite golfado
E vou ficar todo molhado.
Esse guri lindo e trigueiro
Se chama Matias Torero
E me meleca por inteiro.
Matias…, Matias…,
Matias…, Matias…
 

Quando amamentar é tirar leite de pedra
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Amamentar não é fácil. Pelo contrário. Foi isso que descobri com as dezenas de e-mails, comentários aqui no blog e histórias que recebi via Facebook. Tudo por conta do último texto (http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/09/28/cade-o-meu-leite/).

Essas mensagens me mostraram que meu problema não é nada raro. Muitas mulheres têm que enfrentar obstáculos nesse ato tão delicado que é dar leite para um filho.

Minha mãe e minha sogra revelaram que suas experiências não foram uma sopa no mel. As duas tiveram mastite. E eu e Torero mamamos no peito somente até os três meses de idade.

Márcia me contou que também teve problemas para amamentar seu primogênito, que nasceu com 36 semanas de gestação. Assim como eu, ela não tinha leite suficiente no começo, mas aos poucos, com diversas técnicas e acompanhamento de uma doula, conseguiu reverter o quadro e chegou ao aleitamento materno exclusivo. Ela me disse: “Parece que tudo conspira para que a mulher desista de amamentar. Mas temos que persistir.”

Já Silvia teve leite em abundância para sua pequena Ana. Mas tinha que tomar um remédio que o deixava com sabor ruim, e Ana não o sugava por nada. “Desesperada, eu comecei a chorar, peguei um ônibus e fui até a faculdade onde meu marido estudava. Eu falei para ele: ‘O meu leite está ruim, a Aninha não vai tomar nada e vai morrer de fome!’. Então o marido, com simplicidade masculina, disse: “Ela pode tomar leite em pó.”

Jacque escreveu que teve muito leite para suas duas filhas mais velhas, mas para sua caçula Helena inexplicavelmente não houve leite suficiente. Ela chorou, se lamentou, mas depois viu que não havia nada demais em dar a mamadeira. E confessa que esta está sendo a melhor “maternagem” de sua vida. Helena é uma criança de dez meses saudável e feliz.

A verdade é que a amamentação exclusiva com leite materno está enraizada na nossa cultura mais como um dever da mãe do que um direito do bebê. Por isso, quando as mulheres não conseguem cumprir esse papel na plenitude por várias razões, há um sofrimento inevitável. A amamentação deve ser uma opção, uma escolha da mãe. Só assim a discriminação contra as mulheres que não amamentam por diversas razões seria combatida.

Há mulheres que escolheram não amamentar de forma consciente. Uma senhora me confessou que amamentou cada uma das filhas, hoje mulheres com mais de trinta anos, por apenas um mês. Ela não suportou a dor nos mamilos, que rachavam e sangravam, e decidiu parar. Ficou feliz com sua decisão e nunca se arrependeu.

Já outra amiga disse que encasquetou que tinha pouco leite para sua filha, hoje com três anos. “Aí que o leite não vinha mesmo”, e ela desistiu de amamentar a pequena com três meses e meio de vida. Mas diz que se arrependeu e se arrependerá dessa decisão até o fim da vida, e que poderia ter tentado mais.

Muitas mulheres com pouco leite não desistem. É o caso de Caru, Suca e Samanta.

Caru diz que está “passando pelo mesmo perrengue”. Mas ela avisa: “Farei como você, Barbi, enquanto eu tiver 20 ml por mamada, o Artur ganhará o meu carinho, não desistirei. Força!”

Suca recorreu a uma medicação para ter mais leite, o Motilium. “Tive resultado, o peito encheu de leite. Mas o receio de passar alguma droga através do leite para ela me fez parar. Hoje administro a minha enorme frustração para não enlouquecer e tiro com a bombinha os poucos mililitros que me restam, mas ainda tenho muita esperança.”

Samanta usou de tudo: bomba manual, bomba elétrica alugada, ordenha manual e até uma sonda colada ao bico do seio. “Aí quando ela sugava o meu peito saíam os dois leites”. Ela diz que não foi fácil, mas valeu a pena. “Creio que toda mãe que tenha essa vontade deve tentar de tudo para que seu pouco leite seja dado ao seu filho. É uma grande demonstração de amor.”

Depois de todas essas histórias, entendi porque há tanta propaganda a favor do aleitamento materno. É que não é fácil mesmo. Às vezes amamentar é tirar leite de pedra.

 


Cadê o meu leite?
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A produção de leite para uma mulher é como o pênis para o homem. Se o volume é grande, há de se gabar. Se é pequeno, há de se lamentar.

Há duas semanas eu me peguei chorando o leite materno não derramado. Por que depois de quase dois meses de amamentação eu ainda tinha pouco leite? Por que a minha produção não tinha aumentado, mesmo tomando Plasil, Equilid, tintura de algodoeiro, chá da mamãe e bebendo mais de 3 litros de água por dia?

A primeira coisa que lemos em qualquer artigo sobre amamentação é que toda mãe tem leite suficiente para o seu filho. Por que afinal eu não fazia parte dessa regra? Qual era o meu problema? Eu não conseguia parar de me perguntar: “Que espécie de mãe eu sou que nem consegue suprir o filho com o que ele mais precisa?”

Um turbilhão emocional bateu à minha porta. Chorei como mocinha em novela mexicana.

Chorei por culpa, frustração e incompetência. Matias é flex, ou seja, toma leite materno e leite artificial. Mas ele se revelou alérgico à proteína do leite de vaca, que está presente na maioria dos leites artificiais, e precisou trocar de suplemento. O problema é que ele não estava se adaptando bem à nova fórmula. Então pensei: “Por não conseguir amamentar meu filho só com meu leite, ele está sofrendo.”

Mas a verdade é que choros e lamentações me deixaram empacada.

Decidi procurar especialistas em amamentação para entender o que estava acontecendo comigo. Consultei médicos, doulas e enfermeiras. E identifiquei algumas questões que podem ter contribuído para a baixa produção de leite.

Primeiro descobri que chorar não é nada bom para produzir leite. O tsunami emocional só atrapalha o processo. A mãe tem que estar feliz e tranquila para se tornar uma vaca leiteira. E o que eu mais fiz desde que Matias nasceu prematuro e ficou 23 dias na UTI foi chorar e ficar preocupada. Era muito difícil ver aquele serzinho frágil todo entubado e monitorado. Sem contar que eu chorava escondido com medo de perdê-lo. Até hoje acho que não relaxei por completo do trauma hospitalar.

Também aprendi que o normal é que bebês recém-nascidos comecem a mamar em suas mães logo nas suas primeiras horas de vida, para que o leite desça e a produção se estabeleça. Matias demorou quase 15 dias para colocar sua boquinha no meu peito pela primeira vez. Segundo os especialistas, se eu não tivesse tirado leite com a bomba elétrica, nem mais leite eu teria. Meu corpo entenderia que não havia bebê e meu leite teria secado por inteiro.

Outra questão interessante foi descobrir que o poder de sucção da bomba elétrica é menor do que o poder de sucção do bebê, o que limita a produção de leite.

Além disso, o bebê precisa mamar com vontade em cada seio para estimulá-lo a produzir mais.  Matias começou a mamar preguiçoso, já acostumado às mamadeiras na UTI, e eu tinha que complementar a retirada de leite com a bomba elétrica. Para ele, era mais fácil chupetar o peito do que fazer força para tirar algum leite dali.

O mais curioso, porém, foi a revelação de que olhar para o bebê enquanto se amamenta aumenta a produção de leite. É que a admiração da fofura do bebê libera oxitocina, o hormônio do amor, que estimula a descida do leite. Confesso que eu ficava um pouco dispersa durante as mamadas, pensando no celular que tocava, na conta a pagar, na mamadeira para lavar e outras pequenices sem importância. Entendi que amamentar é um momento de curtir o bebê longe dos gadgets tecnológicos, das preocupações, dos pensamentos estressantes.

As conversas com os especialistas também detonaram alguns mitos. Por exemplo, eu achava que só tinha leite quando a mama estava pesada, enrijecida. Ledo engano. Eu não sabia que o leite é produzido na hora da mamada, a partir dos primeiros minutos de sucção do bebê. Isso significava que meu peito também produzia leite quando estava murcho e eu não precisaria esperá-lo encher para dar de mamar a Matias. Ufa! Que alívio!

Parece que nem tudo está perdido para mim em matéria de amamentação. Ainda há algo a se fazer. Mas o principal foi que entendi que um pouco de leite materno é melhor do que nada. Uma médica da UTI me disse: “É melhor você produzir 20 ml por dia até os seis meses de vida do seu filho do que não dar leite materno algum.”

Pelo jeito, estou no lucro. Mas não sou de desistir fácil. Esta semana começarei um novo processo para tentar achar o meu leite. Contarei os resultados aqui no Barrigudos.


A última cruzada
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O post de hoje chegou tarde. Mas há uma boa desculpa. É que eu estava vivendo a parte final da saga “Em busca da mamadeira sagrada”.

Para quem não leu a primeira parte, eis o resumo em duas linhas: Matias precisa de leite especial e tentei, sem sucesso, consegui-lo via governo estadual (o link é este: http://barrigudos.blogosfera.uol.com.br/2013/09/21/em-busca-da-mamadeira-sagrada-ou-o-cacador-do-leite-perdido/).

Mas não desisti. Fiz o que manda a antiga música cantada por Maria Bethânia: “Lutar, quando é fácil ceder, vencer o inimigo invencível!”

Pedi um novo relatório médico à pediatra, desta vez bem comprido, cheio de nomes difíceis e contando a história de Matias tintim por tintim.

Depois preparei minhas armas para a batalha de trincheira: um computador para trabalhar na cadeira de espera e um romance para ler quando cansasse de trabalhar. Além disso, botei sapatos confortáveis e conferi sete vezes se estava com todos os documentos.

Com meu arsenal preparado, botei a mochila nas costas e acelerei meu possante em direção à rua Jequitinhonha.

Desta vez não havia lugar no estacionamento. Mal sinal. Onde há fumaça há fogo, e onde não há vaga há aglomeração. Contei 440 pessoas na sala espera. Aliás, é a maior que já vi.

Às 14h14 peguei minha senha. E quarenta minutos depois, um tempo bem razoável, entregava meus papéis para a atendente.

Seria eu novamente gongado? A pediatra teria feito um relatório comprido o suficiente? As palavras difíceis causariam boa impressão?

Apresento meus documentos. A atende olha-os com cuidado, para ver se não havia nenhum erro. Suo frio como um palestino entrando com passaporte falso em Israel. Por fim, ela não vê nenhum problema, entrega-me uma nova senha e leva a papelada ao médico.

Volto para meu lugar, abro meu computador e ponho-me a trabalhar (nestes tempos de Matias, até tenho gostado de pegar umas filas, porque é a única hora em que posso me concentrar de verdade).

Quarenta e cinco minutos depois vou até a atendente e pergunto se há alguma resposta. Ela diz que até agora não houve nenhum pedido negado. Minha respiração fica ofegante de ansiedade e meus olhos umedecem de esperança.

Mas o tempo passa e nada acontece.

15h15.

16h16.

17h17.

Já cansei de trabalhar no roteiro que estava escrevendo. Como não conheço ninguém e sou ruim para puxar conversa, pego meu romance japonês e começo a lê-lo. Infelizmente o autor gosta de descrever as cenas de comida com muito realismo, e isso atiça minha fome. Eis algo que faltava na minha mochila: alimento. Não como nada desde o meio-dia. Penso em ir até a rua comprar uma deliciosa e engordurada coxinha. Mas e se justo nesta hora me chamam? Não, não posso esmorecer. Mastigarei meus próprios dentes se for necessário, mas não arredarei pé dali.

17h44. No placar eletrônico surge o número 9093. É o meu! Levanto-me emocionado e vou até o guichê. É uma outra atendente. Seu nome é Maria. Ela fica olhando alguns papéis e demora para revelar o veredito. Será uma masoquista? Sim, deve ser. Consigo imaginá-la numa roupa de couro e segurando um chicotinho.

Então, lentamente, seus lábios se abrem e escuto a frase mágica: “Seu processo foi aprovado”.

Ouço trompetes dando vivas e vejo fogos de artifício explodindo no céu. Sim, eu consegui. Pergunto o que devo fazer, quando devo voltar para pegar as latas, etc…

Mas Maria, que agora me parece a santa progenitora (até posso imaginá-la de véu azul) diz que devo apenas assinar no “x” e já posso levar o leite agora.

Fico pasmo. Já? Não terei que esperar um mês?

Não. Ela me passa uma caixa sobre o guichê. O leite do neném está garantido. É a glória! Consegui vencer a burocracia. O Estado me deu algo em troca de meus impostos.

Enquanto volto para casa, nem reclamo do congestionamento da marginal. E os faróis dos carros parecem pirilampos que dançam para comemorar minha vitória.


“Em busca da mamadeira sagrada” ou “O caçador do leite perdido”
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Por estes dias tive uma notícia boa e outra ruim.

A ruim é que Matias precisa de um tipo de leite em pó muito caro. Um gasto de quase 300 reais por semana.

A boa é que o governo estadual tem um programa que fornece este leite gratuitamente.

Quase não acreditei quando ouvi isso. Então fui checar na internet e vi que há trinta unidades estaduais de saúde responsáveis pelo “fornecimento de medicamentos excepcionais”. Nada mal.

Destas trinta, cinco estavam na cidade de São Paulo. Nada mal.

Mas, desta cinco, três estavam em hospitais e só forneciam medicamentos para seus. Aí já começa a complicar.

E, dos dois lugares que sobraram, o começo do processo tem que ser feito apenas em um, o AME (Ambulatório de Especialidades Médicas) Maria Zélia. Isso já é ruim. Uma cidade com mais de dez milhões de habitantes não pode ter apenas um lugar para fornecer estes remédios.

E, para meu azar, o ambulatório está a mais de 30 km de casa.

O Maria Zélia fica no Belenzinho e tem 694 funcionários, 41 consultórios, duas salas de cirurgia e 30 especialidades médicas. Além da farmácia de alto custo, que era o que me interessava.

Ele é enorme, dentro de uma área verde, e para minha surpresa, havia várias vagas para estacionar.

Passando pelas primeiras salas vi filas modestas e já fui pensando: “Vou usar um serviço público eficiente e com rapidez. Te cuida, Suécia!”.

Mas, quando cheguei à sala da farmácia de alto custo, me deparei com centenas de pessoas.

Peguei minha senha, tirei meu livro (levei um romance japonês de 400 páginas para passar o tempo) e me sentei, esperando a chamada.

Para minha surpresa, não demorou muito.  

Uma atendente foi pedindo os documentos e eu, orgulhosamente, entregava-os todos. RG, CPF, Certidão de nascimento, receita, relatório médico, ficha de avaliação devidamente preenchida, etc… Tudo nos conformes. Senti a rara alegria de estar com toda a burocracia em ordem.

Então a atendente juntou todos os papéis e disse: “Vou levar para o médico”.

Achei aquilo estranho. A palavra da minha pediatra não bastava? Ela explicou que um médico do AME tinha que aprovar tudo.

Não vi problema, abri meu romance japonês e fiquei esperando.

Eis que, depois de algumas páginas, a recepcionista volta e diz: “Seu pedido não foi aceito.”

“Por quê?”

“Está tudo aqui”, ela me disse apontando um bilhete mandado pelo médico.

Ele havia escrito o que eu deveria trazer: “Relatório médico legível, com descrição detalhada do quadro alérgico. Criança em idade de aleitamento materno exclusivo, justificar a intersecção do mesmo.”

Fui ver se não havia um relatório médico legível. Havia. Conforme mostraram os exames, a pediatra, num trecho de sua petição, escreveu: “Paciente apresenta quadro de sangue nas fezes, sendo necessário o uso de fórmula de hidrolisado proteico.”

Noutro trecho explicava que “a mãe não tem leite materno.”

Ou seja, havia a descrição do quadro alérgico, explicitado pela presença de sangue nas fezes, e a afirmação de que a mãe não tinha leite.

Mas era como se ele nem tivesse lido.

Fiquei pensando nos motivos que levaram o médico a negar o pedido e cheguei a quatro hipóteses:

a-) Há muitos pilantras tentando conseguir o leite para revendê-lo e o médico tem que evitá-los.

b-) Complexo de zelador. Ou seja, ele sente a necessidade de mostrar algum poder, e esse poder quase sempre se dá por alguma proibição.

c-) Ele tem que negar um certo número de pedidos para mostrar-se útil, de forma que seu cargo não seja extinto.

d-) Sadismo.

Meu palpite é que seu ato foi motivado por 45% de “c”, 39% de “b” e 10% de “d” e 6% de “a”.

A atendente, para me consolar, explicou: “É muito comum eles negarem o pedido na primeira vez. Aí vem um relatório maior e eles liberam.”

Na hora lembrei de um professor de Literatura Portuguesa. Na minha primeira prova na faculdade de Letras, ele me deu uma reles nota 3. Aí os veteranos me explicaram: “Para esse cara você tem que escrever bastante. Faz o texto e depois repete tudo de novo.”

Foi o que fiz. Na minha opinião, minha nova prova tinha sido péssima. Prolixa e repetitiva. Mas tirei 7 e passei de semestre.

Voltando à vaca fria, agora terei que voltar à pediatra, pedir um relatório mais comprido e retornar à fila.

Foram 67 km rodados à toa. Para mim não foi um sacrifício, pois fui com meu carro. Ele tem mais de 120.000 km de idade, mas me levou e trouxe com conforto.

Porém, pense num sujeito que perdeu um dia de trabalho para vir de Parelheiros até o AME Maria Zélia, e terá que repetir tudo de novo porque o médico tem prazer em negar um pedido totalmente legítimo e documentado.

Assim fica difícil amar Maria Zélia.


Nossa inimiga, a vaca
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Barrigudos

A vaca é um animal sagrado para os indianos. Há até um refrigerante de urina de vaca, e suas fezes são usadas em rituais. Lá, ela é considerada mais ''pura'' que os sacerdotes, a casta mais elevada da sociedade indiana.

Mas a vaca não adianta nada para Matias.

Fizemos uns exames por esses dias e tudo indica que ele tem uma certa alergia ao leite de vaca. E este leite está presente na fórmula do leite artificial que ele está tomando.

Tudo começou quando encontramos umas pintinhas de sangue no seu cocô (veja o texto anterior: ).

Segundo a pediatra, isso é muito comum em prematuros, pois seus intestinos são muito frágeis. E, se não tratada, esta alergia pode levar a um quadro de anemia pela perda constante de sangue.

Assim, tivemos que trocar de leite. Agora, Matias passou a tomar um tipo especial, livre de leite de vaca. E eu passei a não poder comer alimentos com leite e derivados porque continuo (ainda bem) dando o pouco de leite materno que tenho. Adeus queijos, até um dia iogurtes, quem sabe nos veremos no futuro, café com leite.

Ao que parece, este leite custa uma pequena fortuna. Amigos nos disseram que cada lata de 400 gramas sai por volta de 140 reais. Ou seja, teremos que gastar uns trezentos reais por semana. Mas  já no disseram que há um programa de subsídio do governo. Se conseguirmos usá-lo, informaremos aqui.

Mas o pior não é o preço. O pior é que Matias não aceitou esse leite muito bem. Agora está mamando apenas metade do que mamava. Dos 120 ml a cada três horas, passou para 60 ml. Às vezes menos.

Além disso, sua mamada está bem mais lenta. Ele perdeu aquela voracidade que tinha pelo leite anterior. É como se ele tivesse trocado uma espetacular paella por um reles chuchu cozido.

E, se o novo leite é difícil de entrar, é mais difícil ainda de sair. Matias quebrou seu recorde de abstinência cocozal. Está há a mais de 40 horas sem nos presentear com aquele seu acarajé, com aquela sua sopa de mandioquinha. Queremos seu cocô spray de volta!

Ele faz força o dia todo, mas nada. Só quando dorme há uma trégua em suas entranhas.

Sentimos como se tivéssemos voltado no tempo, lá pelas épocas de UTI. A preocupação que ele aceite este novo leite é enorme. Ele estava ganhando peso muito rapidamente com o outro leite e seu apetite nos deixava tranquilos. Agora, estamos apreensivos, em dúvida, lamentando o leite não derramado.

A vaca, quem diria, é nossa inimiga.

 

PS: Depois de 45 horas e de um supositório de glicerina, Matias fez cocô. Ufa! Mas há que ver se o problema continua.