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O sol não nasce para as hemorroidas
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Ninguém tem hemorroida. Ou, pelo menos, ninguém admite. Numa festa, você vê gente falando com naturalidade de dores nas costas, sobre problemas nos dentes, diabetes, colesterol alto, etc… Mas hemorroidas, nunca.

Tem gente que mostra a obturação nova, tem gente que mostra a cicatriz da operação de apêndice, mas ninguém vai mostrar aquele calombo que não vê a luz do sol.

Só que as pessoas têm hemorroidas. E as grávidas também.

Mas é claro que ninguém te conta isso. Ela é a vilã secreta da gravidez. Só vai descobrir quem tiver.

Nas capas de revista para pais você dificilmente verá uma manchete sobre o assunto (procuramos um bom tanto e não encontramos nada). O tema, quando aparece, fica na página de conselhos médicos, sem destaque.

É um assunto que entra pela porta dos fundos.

Maria, a mãe de Jesus, pode ter tido hemorroidas. A rainha Elizabeth também. E Angelina Jolie, com o peso da gravidez de gêmeos, mais ainda. Catherine Deneuve, Gisele Bundchen, Beyonce e até a presidenta Dilma Rousseff podem ter tido hemorroidas na gravidez. Mas nunca saberemos.

Eu tive. E pensei que era uma exceção. Nunca tinha tido isso. E, como ninguém fala que gravidez pode provocar hemorroidas, tomei um susto danado.

Nunca pensei que teria que sair em busca de uma almofada em forma de donut.

Um dia tomei coragem e comentei com algumas mães sobre o meu desconforto. Só então elas me contaram que tiveram hemorroidas em algum momento da gestação ou no pós-parto. Para minha surpresa, a maioria contou uma história sobre isso.

Mas é um assunto tão tabu que ninguém oferecia uma dica, nem apontava uma solução.

Teve a sua tia.

É verdade. Uma tia nonagenária, que já não tinha nada a perder, que já não se importava mais com falsos moralismos. Ela sugeriu um banho de assento com chá de mamona. E funcionou.

Mas você também usou os remédios receitados pela médica.

Ela explicou que aquilo acontecia porque a barriga já pressionava as veias da parte inferior do corpo. E me indicou dois remédios e meias de compressão para ajudar no retorno do sangue das pernas.

Eu só pude colaborar não tocando no assunto. Pensei em fazer um poema com rimas como meditabunda, furibunda, barafunda, iracunda e pudibunda. Mas desisti. Nestes momentos, a solidariedade há que ser profunda.

Para piorar, junto com as hemorroidas veio a azia.

E logo agora que o enjoo estava dando uma trégua. A gravidez parece um carro velho: quando você conserta uma coisa, outra dá problema.

A azia me obriga a ficar sentada, com o tronco alto, para evitar o refluxo. Já a hemorroida pede que eu fique com as pernas para cima. Não é uma posição muito fácil. Nem na ioga eu consegui isso. Acho que a saída é comprar um colchão em forma de “V”.


Apareceu a barriguinha, olê, olê, olá…
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Levei um susto um dia desses. É que, pela primeira vez, durante meu ritual matinal de levantar a blusa e mostrar a barriga pro Torero, ele falou: “Nossa, não é que tem um cara mesmo aí dentro?!”

Não era uma barriga grande, mas já dava para desconfiar que a Rita estava grávida. Ou tinha passado a tomar uns chopes depois do trabalho.

Senti orgulho. Finalmente eu via que meu filho estava crescendo. E aquelas bocas maldosas que diziam que eu não estava me alimentando bem, ou seja, subnutrindo meu bebê, finalmente teriam que se calar.

Mas o orgulho deu lugar à tristeza quando ela subiu na balança da médica. Rita estava acima do peso indicado para aquela fase da gravidez e tomou uma bronca. Até chorou.

Não era justo. Eu estava me alimentando direito. E quando escorregava, comia praticamente ar. Ou biscoito de polvilho, o que dá na mesma. Pelo menos, era o que eu acreditava. Até que fui olhar a tabela de calorias e vi que polvilho provavelmente era a comida favorita de Jabba, the Hutt.

Para quem não conhece, Jabba, the Hutt é este monstro de Star Wars aqui embaixo.

Eu estava sempre ganhando carimbos de estrelinhas na minha ficha gestacional. Mas, daquela vez, ganhei o carimbo do Cascão. Deu sujeira…

Rita sentiu o peso da responsabilidade. Ou a responsabilidade do peso.

Essas mudanças no corpo contribuíram para uma considerável diminuição na minha autoestima. Passei a me achar uma balofa porpética.

Traduzo “porpética” aos leitores: significa em forma de porpeta, redonda como uma almôndega.

Antes, quando eu passava na rua, na frente de uma obra, recebia elogios, cumprimentos e frases como: “Quanta saúde!”, “Quer lavar roupa lá em casa?” e “Essa não tá esperando ônibus mas tá no ponto”.

No começo da gravidez ela ainda recebia cantadas. Conta aquela da meia maratona.

Eu estava esperando o Torero cruzar a linha de chegada quando um sujeito se aproximou e disse: “A deusa está esperando uma amiguinha?”. Eu respondi: “Deusa? Só se for da fertilidade, porque eu estou grávida.”

Mas a gravidez espantou os conquistadores baratos.

Agora, se eu passo em frente a uma obra, sou ignorada.

Percebi um certo lamento nisso?

É que, para as mulheres, as cantadas dadas pelos operários de uma obra servem como termômetro de quão sexy elas estão. Coincidência ou não, tenho me sentido um trubufu. Não entendo como há mulheres que se sentem no máximo da beleza durante a gravidez. Invejo todas elas.

Digo, em nome de nós, homens, seres quase desprezados no sistema gravidecional, que não há muita diferença. A barriga não é uma quebra estética tão radical que nos faça preferir o celibato.

Por outro lado, minha redondez tem sido celebrada pelas outras mulheres. Sei que, secretamente, muitas torciam para que eu engordasse feito uma ogra.

Ah, a velha rivalidade feminina…

Essa questão da barriga tem dois lados.

O de dentro e o de fora.

Não. O lado bom e o ruim. O ruim é que as mudanças do corpo ajudam a derrubar a autoestima. O bom é você ter a certeza que está avançando na gestação, porque há um certo exibicionismo da identidade maternal. Ou seja, eu estou no pico da fertilidade e no fundo do poço da estética convencional. É uma situação ambígua.

Ou, no caso da barriga, umbígua.


A montanha russa do sexo
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Há épocas em que uma mulher se sente uma deusa do sexo, uma mistura de Brigite Bardot com Catherine Zeta-Jones. O começo de uma gravidez não é uma dessas épocas.

Não há motivo para isso. A grávida continua tão bela quanto antes. Ainda mais no começo, pois não há nenhuma mudança aparente.

Mas não é assim que uma grávida se sente. Pelo menos no meu caso. Eu achava que meu rosto estampava exatamente o mal estar que eu sentia. Ou seja, me imaginava levemente esverdeada e com o lábio torto.

Uma marciana. Justo meu tipo!

Por conta disso, sexo era a última coisa que passava pela minha cabeça. Ou melhor, a penúltima. A última era comer feijoada.

Minha tese para esta inapetência sexual é outra. Acho que é uma questão física. Como as recém-grávidas já têm um pão em seu forninho, elas passam a desprezar o, digamos, cassetinho. Tanto que entre os animais são raras as fêmeas que copulam durante a gestação.

Nós, mulheres, somos mais complexas. Sexo para nós é sensação. Vai muito além dos apelos instintivos. Mulheres fazem sexo após a menopausa, não dependem do período fértil para ter tesão, podem ficar excitadas quando ganham uma rosa ou brochadas quando o homem tira um palito personalizado do bolso no fim do jantar e começa a limpar os dentes.

Se eu passar fio dental, você fica excitada? Sabor hortelã!

Enfim, o fato é que fiquei muito insegura em relação a várias questões. O sexo poderia machucar o bebê? Ele sentiria alguma coisa durante a relação? Ser ativa sexualmente poderia provocar um aborto? Travei. E fui procurar ajuda.

A médica disse que, como Rita estava numa gravidez normal, sem complicações, não havia problemas com o sexo. No fundo, acho que estas dúvidas são culpa da Virgem Maria. E não estou fazendo piada. O cristianismo faz uma oposição entre maternidade e sexualidade. Tanto que a mãe de Jesus, segundo a lenda, jamais teria feito sexo. A sociedade acha que uma mãe fazer sexo é pecado. 

Pecado mesmo é o quanto meus seios doíam no começo da gravidez. Sem contar que eles ficaram grandes.

 Sim, bem grandes…

Tire a mão daí!

 Repressão, repressão…

É verdade que eu sentia séculos de repressão feminina sobre meus ombros. Mas não era só isso. Para minha surpresa, me percebi mais guiada pelos hormônios. E eles não desejavam sexo.

 É a minha teoria do forninho cheio.

Não tem a ver com forninho cheio. Porque, depois de um tempo, tudo mudou. Passei para o outro extremo. Virei uma libidinosa.

 A médica avisou que isso ia acontecer. Mas não acreditei. Ainda bem que eu estava errado.

Confesso que pensar em sexo o tempo todo foi tão assustador quanto não pensar em sexo jamais.

Só que, nessa fase, a barriga já atrapalhava um pouco. Ironicamente, já não podíamos praticar o tradicional papai-e-mamãe. Tivemos que achar outras posições. Então foi muito útil uma página aqui do Gravidez e Filhos, uma espécie de Mama Sutra. O link é este: http://mulher.uol.com.br/gravidez-e-filhos/album/2012/08/28/veja-posicoes-sexuais-confortaveis-para-as-gestantes.htm#fotoNav=6.

Com esta montanha russa do desejo sexual, descobri que, apesar de todas as nossas complexidades psicológicas e sociológicas, ainda somos, para o bem ou para o mal, um parque de diversões hormonal.

 


Como será a cara do cara?
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O bebê não surge no parto. Ele vai nascendo antes, em prestações, se materializando aos poucos. Ainda mais para nós, homens. No meu caso, a primeira vez que o senti mais próximo foi quando ganhamos uma roupa de bebê. Era um macaquinho azul. Aí eu pensei: “Daqui a pouco isso aqui vai estar recheado com uma criança. Dentro desse macaquinho vai ter uma pessoa de verdade.”

A materialização para mim veio com os primeiros chutes. Eu estava na 19ª semana de gravidez. Não era um arroto, não era um pum, não era o intestino brigando com a feijoada do dia anterior. Alguém se mexia para lá e para cá na minha barriga, me cutucando. Foi uma sensação incrível!

Eu colocava a mão na barriga de Rita, mas não sentia nada. Para mim, ele só existia quando ganhávamos alguma roupa. Mas eu não conseguia, e ainda não consigo, imaginar como ele será. Com as avós é diferente.

Minha mãe e a minha sogrete já sonharam com o bebê. No sonho da minha mãe, nosso filhinho fazia carinho no rosto dela e ela se derretia como manteiga quente.

No da minha, ele corria pela sala.

Coincidência ou não, as duas disseram que ele era um menino lindo.

E, é claro, elas são imparciais.

Totalmente.

Um filho lindo? Confesso que vejo mais graça nos meninos esquisitos. Quando vou numa escola falar sobre algum dos meus livros infantis, sempre simpatizo com aquele garoto de nariz comprido, com o mais baixinho, com o de orelhas pontudas. No fundo, talvez eu esteja torcendo para o meu filho ser mais esquisito que lindo, mais engraçado que belo.

Você pode até achar ele esquisito, mas eu vou achá-lo lindinho. Sou geneticamente programada para ver todas as belezas escondidas do bebê.

O fato das avós imaginarem nosso filho gerou uma certa curiosidade, porque nós dois não tivemos nenhuma visão premonitória.

Acho que não podemos nos culpar, porque sua mãe estudou astrologia e a minha, economia. As duas entendem de prever o futuro.

Comentando com os amigos sobre nossa vontade de ver o rosto do bebê, eles disseram: “Isso é moleza. É só fazer um ultrassom 3D”.

Então, durante uma consulta com a minha médica, falamos sobre isso. Ela, animada, começou a nos mostrar diversas fotos de bebês em 3D.

Horror, horror, horror… Todas as crianças tinham uma coloração amarelo-hepatite. Já os rostos pareciam feitos de barro. E por um artesão ruim, porque eram muito macilentos.

Cruz credo! O ultrassom 3D me diria que meu filho era um pequeno alien!

Vendo nossa decepção, a médica começou a procurar o que ela considerava como belos ultrassons.

Mas só achava monstrinhos.

Não é este esquisito que eu quero para o meu filho.

Os tecnológicos que nos desculpem, mas 3D não é fundamental.

É melhor continuar a imaginá-lo dentro de macaquinhos azuis.


Finalmente… sexo!
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Se você leu o título acima e ficou animado(a), esqueça. Este texto é sobre o sexo do bebê (se bem que em breve vamos falar de sexo mesmo). É que chegou a hora do ultrassom que diria se teríamos um menino ou uma menina.

Mas, antes de qualquer exame, várias pessoas já tinham palpitado ou aplicado em mim suas técnicas de futurologia. Branca, nosso braço direito do lar, fez o teste do pêndulo, usando linha e agulha em cima da minha mão esquerda.

Se fosse em outros tempos, ela seria queimada numa fogueira.

Durante o teste, ela não hesitou: “Cerrrteza que é um menino, Rita! O pêndulo está correndo numa linha reta. Se fosse menina, fazia um círculo.”

Fiquei pensando: E se fizesse uma forma oval? Seria um hermafrodita?  

Várias amigas começaram profundas análises sobre o formato do meu abdômen. E 80% delas chegaram à conclusão de que seria menino, porque a barriga despontava como um míssil, e meninas deixam as mães mais arredondadas.

Se olhassem para mim, diriam que eu esperava uma linda garotinha.

Mas não ficamos apenas na barrigologia. Descobrimos também outras técnicas, como a pescoçologia, que é a arte de prever o sexo do bebê olhando o pescoço da mãe. Como o meu estava mais fino do que o normal, disseram que seria um menino.

Não podemos esquecer dos enjoólogos. Como Rita enjoava muito, estes disseram que se tratava de um menino. E bem cabeludo.

E há ainda os sensitivos, que apenas colocando as mãos na minha barriga, davam seus palpites com total certeza. O resultado, claro, foi um empate técnico. Metade disse uma coisa, metade, outra. Como no cara e coroa.

Ou como na economia.

Marquei o ultrassom para o dia do meu aniversário. Seria meu presente. Somos um casal muito curioso. Nem cogitamos não saber o sexo.

Eu acordei nervoso, agitado. Naquele dia iria conhecer muito melhor a pessoa que passaria o resto da vida comigo.

Logo que levantei, fiquei esperando os parabéns do Torero. Ele sempre apronta alguma coisa. Mas dessa vez não aconteceu nada. Ele até me deu uma bronca pela louça na pia. Então pensei: “Ele está preparando uma surpresa grande, fingindo que esqueceu o meu aniversário”.

Não era bem isso…

Não era mesmo. No caminho para o exame, ele olhou para o relógio do carro e se deu conta da data. Aí me perguntou: “É hoje o seu aniversário?”. Ele tinha esquecido. Mesmo. Em muitas relações, isso seria o começo do fim. Agora se defenda, Torero.

Senhores e senhoras do júri, pensem na situação deste pobre pai. Era o momento em que ele saberia se teria um menino ou uma menina, o momento em que saberia se teria uma mulher para ampará-lo na velhice ou um companheiro para o futebol. Um aniversário é muito importante, mas é mais importante do que saber o sexo de seu filho? Pensem com vossos corações e decidam se sou culpado ou inocente.

Inconformada e decepcionada, cheguei no laboratório com cara de brava. Aí a médica começou a mostrar uma perninha, um bracinho, um pescocinho, uma bundinha e finalmente…

Um pinto!

Eu, mãe de um menino! Essa foi a maior surpresa da minha vida. No fundo, nunca tinha me imaginado como mãe de um menino.

Para mim, tanto fazia. Mas saber aquilo deixou meu filho mais real, e comecei a chorar na sala. Não deu para segurar muito. E depois que saímos foi um vexame. Chorei de soluçar.

Para mim foi uma sensação de alívio, um presente, uma imensa alegria. Quando chegamos em casa, Torero trouxe um bolo. E já não fazia a menor diferença se estávamos comemorando meu aniversário ou o nosso filho.

 


Socorro, meu QI despencou!
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Nunca fui uma criança bonitinha nem popular. Mas desde pequena diziam que eu era inteligente.

Também diziam que eu era inteligente. Mas o que mais poderiam falar de um menino que usava aparelho nos dentes e óculos?

Eu acreditei nisso e por algum tempo fui uma nerd convicta. Na adolescência, cheguei até a usar óculos sem grau para ficar com um ar mais intelectual.

Já eu operei a minha vista para tirar os óculos. Quero que valorizem o meu corpo.

Frequentei várias universidades e colecionei alguns diplomas. Mas os últimos meses têm me convencido que eles não merecem mais estar na minha parede.

Acho que a ideia é que você não merece que eles estejam na sua parede, não é?

Ai, este raciocínio está muito complicado… O que eu quero mesmo dizer é que tenho sentido uma dispersão maior, falta de foco e uma maior dificuldade para operacionalizar raciocínios simples, como multiplicações e divisões.

Em resumo: burrice. 

Também não estou me chamando de burra! Só sinto que a gravidez derrubou alguns pontos do meu QI.

Ainda dá para fazer eufemismos.

Quando percebi que o meu Tico e o meu Teco não trabalhavam sempre na mesma sintonia, procurei a médica. Ela me disse que isso era algo absolutamente normal na gravidez. E acontece com todas as mulheres, mesmo quando elas não percebem. Até deu um número: disse que nosso QI cai uns 30%.

Comecei a ver este fenômeno quando ela passou a confundir ditados populares. Por exemplo, uma noite ela disse que eu estava “me mexendo como um bife à milanesa”. Mas queria dizer “pulando como um peixe na frigideira”. Dá para entender, bife e peixe são comida, frigideira lembra milanesa…

Fui a uma festa de aniversário e esqueci o presente. E eu tinha certeza absoluta de tê-lo colocado no carro. Para piorar, quando fui embora, esqueci minha bolsa e a dona da festa teve que levá-la para mim. Acho que ela vai demorar para me convidar de novo.

Ainda na troca de palavras, esses dias Rita falou “A galinha está tendo um ovo”. Misturou “por um ovo” com “tendo um filho”. Freud explica.

Mas há vezes em que eu lembro até demais. Por exemplo, estava preocupada em não perder o horário de uma reunião de trabalho. E consegui chegar na hora exata. Mas dois dias antes.

Por recomendação médica, Rita teve que diminuir o peso da bolsa (uns dez quilos). Depois de tirar um monte de tralhas, digo, utilidades, segurou-a e disse: “Agora ela está bem fresquinha”.

Minha atenção anda precária. Na compra da minha primeira calça de grávida, experimentei uns trinta modelos e gostei de um. Só que, na hora que fui vesti-la em casa, percebi que tinha trazido a calça errada.

Numa viagem de avião, ela virou-se para mim e perguntou:

“Tem alguma parte da asa que se chama step?”

Acho que o estepe do pneu do avião não fica embaixo da asa. Por quê?

“Porque está escrito: ‘NÃO PISE NO STEP’.”

Olhei para a asa e entendi: Estava escrito: “NÃO PISE”. E depois, em inglês, “NO STEP”. 

Antes dele falar qualquer coisa, percebi meu erro. Mas já era tarde. Torero rolava de rir.

Rolava é exagero. Eu estava com cinto de segurança.

Acho que para os próximos meses eu tenho duas saídas: tirar os diplomas da parede e me recolher à minha ignorância ou voltar a usar óculos sem grau. Onde será  mesmo que eu os coloquei?


A vida não é um roteiro
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Pense num mar de rosas. É bonito. Mas sob este mar de rosas há um mar de espinhos. Gravidez não é só festa e alegria. Há muitos momentos de tensão. Por exemplo, o exame morfológico da 12ª. semana.

Estávamos a uma semana do exame e Torero não me deixava dormir. É que neste ultrassom saberíamos a probabilidade de o bebê ter más formações fetais ou anomalias cromossômicas, como a Síndrome de Down.

Este era meu grande medo. Eu tinha lido o livro, ótimo, do Cristóvão Tezza: “O filho eterno”. O livro tem um final feliz, de aceitação e alegria. Mas o começo é cheio de dúvidas e dor. Não queria passar por isso.

Como mãe, a gente sempre quer que o filho seja perfeito. A gente nunca pensa nos problemas que uma criança pode ter quando decide engravidar. Planejar um filho é sempre uma decisão otimista, que acredita que ele terá as melhores condições possíveis para viver plenamente e feliz.

Mas, quando ele se torna real, quando já está na barriga, surgem as desconfianças. Vamos do romantismo ao realismo. No meu caso, mais um pessimismo que um realismo. Mesmo sabendo que a chance de ter algum problema era de 0,5%, o medo era o equivalente a uma possibilidade de 50%. Ou 51%.

No começo, eu, uma otimista, estava com pensamento positivo, internamente vibrando que tudo daria certo. Mas aos poucos fui me contaminando pelo medo do Torero. E um milhão de culpas começaram a passar pela minha cabeça. Por que não tive filhos mais cedo? Mesmo sabendo que sou uma pessoa saudável, com alimentação balanceada, esportista, livre de vícios etc…, eu sentia que meu corpo poderia falhar na geração de uma nova vida.

Imagino, ou gosto de imaginar, que meu medo vinha do fato de eu ser escritor. Nas minhas histórias, e talvez em todas as histórias, quando tudo está bem, algo triste acontece. Logo, seu eu estou com a mulher que amo e decido finalmente ter um filho, algo ruim teria que acontecer. É a arquitetura do romance.

E, como em todo o romance tem choro, eu comecei a chorar dia e noite.

Eu não pensava em outra coisa. E também chorei um bom bocado.

Depois de muito chorar, e me imaginar recebendo a notícia de algum problema, eu pensei: “E daí? Ele vai continuar sendo meu filho”. Eu me sentia geneticamente programada para amar o que estivesse dentro da minha barriga.

Chegou o dia. Eu estava nervoso. Tudo me irritava. Para piorar, eu não conseguia vaga para estacionar. É como se estivesse adiando a entrada no laboratório.           

O início do exame foi tenso.

Lembro que a sala estava um breu. Para mim, muito mais escura que da primeira vez. Baixei a cabeça e só olhava de relance para a tela. E meu coração batia tão forte que quase doía. Eu prestava uma atenção total nas palavras do médico, já esperando uma frase terrível e definitiva. 

O médico, um japonês gentil, foi falando tudo o que via: ossinho do nariz normal, fêmur normal, coração normal, colo do útero normal… tudo normal. E ainda disse que havia 70% de chances de ser um menino.

Então o exame acabou e o médico acendeu a luz. Ele não tinha falado nada de terrível. Mas eu ainda estava em dúvida. Será que eu que não tinha entendido alguma coisa? Será que não tinha visto alguma coisa? Fui até ele e perguntei explicitamente: “Nenhum problema, nenhuma síndrome?”.

Ele respondeu: “Nenhum problema. A Translucência Nucal que indicaria uma síndrome, está OK. Só não comecem a comprar roupa de menino, porque ainda há 30% de chances de ser menina.”

Senti como se tivesse mergulhado numa lagoa de Halls. Minha pele ficou gelada, mas um gelado de alívio. A vida de verdade não era como os livros e os filmes, onde os problemas são necessários para que a história seja interessante. A vida não é um roteiro.


Castelo, carruagem e espinafre
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Enquanto eu tenho me preocupado com questões menores, como enjoos, sono e roupinhas de bebê, Torero pensa grande.

Penso em casa e carro. De repente comecei a achar nosso apartamento pequeno. E meu carro, um calhambeque. Acho que é genético, porque vi o meu irmão se preocupar com as mesmas coisas quando sua mulher engravidou.

Enquanto eu falo a língua do RN, PP e P, Torero só fala em metros quadrados.

Isso deve vir da idade da pedra. Logo que sua mulher engravidava, o australopiteco devia começar a procurar uma caverna maior. Nunca me preocupei com isso, mas agora é uma obsessão de tirar o sono.

O dele e o meu.

O seu? Impossível. E tenho fotos para provar! 

Já disse que não postaremos nenhuma foto minha em posições comprometedoras neste blog. Continuando… Outro dia, ou melhor, outra noite, Torero se mexia na cama como um peixe fora d’água, virando de um lado para outro. Não conseguia dormir. Quando perguntei se ele queria alguma coisa, ele respondeu:

Mais um quarto. É que nosso apartamento já está no tamanho certo para nós dois. Mas com o bebê, ficaremos apertados. Se bem que talvez mais dois quartos fosse melhor. Nós dois trabalhamos em casa e precisamos de um escritório, pois vamos perder a sala quando ele começar a engatinhar.

Começamos a olhar casas. Por que será que a gente sempre gosta das mais caras?

Achamos um apartamento que gostamos bastante. Só que fizemos as contas e não tínhamos como sustentá-lo. Era ele ou o bebê. Preferimos ficar com o segundo.

Com o carro foi a mesma coisa. Os barulhos que ele sempre fazia começaram a preocupar. De repente, ele já não era tão estável nas curvas, e o ronco do motor acordaria um urso hibernando, quanto mais um bebê.

Sem falar que viajamos muito. E se meu carro, já com uma década de vida, decide quebrar uma noite no meio da estrada?

Então Torero começou a fazer testes drives em diferentes carros.

Por que será que os que a gente sempre gosta dos mais caros?

Lá se foi Torero, de novo, fazer contas, e mais contas e mais contas. Conclusão: ainda não decidimos por nenhum.

Sou um tanto indeciso. Ou não?

Já que não íamos mudar de casa tão cedo, começamos a falar em preparar o quarto do bebê.

Mas aí logo surgiram outras dúvidas. Por exemplo, qual o melhor berço? O americano ou o convencional? Qual a melhor altura do trocador? Poltrona de amamentação ou cama extra? Armário, cômoda ou os dois?

Vimos que a gente está tão perdido quanto um usuário do Windows no Linux. Teremos que aprender todo um novo sistema operacional.

Mas já começamos. E pela cozinha.

Não, não começamos a reformar a cozinha. É que estamos aprendendo a cozinhar. Antes da gravidez, eu só preparava saladas e omeletes.

Já eu abria latas com gestos decididos e precisos.

Mas agora, comemos mais em casa do que fora. E aprendemos a preparar alimentos saudáveis.

Espinafre refogado, mandioca, arroz integral, peixes assados, frangos grelhados e uma infinidade de verduras e legumes.

Pelo menos, o carro do bebê, que por enquanto é o meu corpo, está com bom combustível.

E a casa, que é sua barriga, está cada vez mais espaçosa.

 


Tamanho (de barriga) é documento
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Um problema do início da gravidez é que você já se sente diferente, mas o mundo não sabe disso. Para piorar, minha barriga teimava em não crescer. Não sei se foi a quantidade de abdominais que fiz na vida ou se no primeiro filho a barriga demora para crescer mesmo. O fato é: eu não parecia grávida.

Era engraçada a expectativa dela quanto a isso. Todo dia de manhã se olhava no espelho e dizia: “Acho que já cresceu um pouquinho”. Mas não havia nada ali.

Essa falta de barriga me trouxe problemas.

Ela queria ter barriga e eu queria perder a minha. Ah, a eterna insatisfação do ser humano…

É que eu queria usar as filas prioritárias, afinal de contas, isso é um direito meu.

O direito no Brasil é torto.

A primeira fila preferencial que peguei foi no supermercado. Eu estava enjoada, com cara de limão azedo e queria sair logo dali. Mas fui fulminada por olhares maléficos de cidadãos sêniores que também se encontravam na fila. Um octogenário, com a baguete na mão…

No bom sentido…

… começou um discurso sobre direitos e cidadania, querendo me colocar para fora da fila.

Devia pensar que você era uma espertalhona, uma daquelas que gostam de levar vantagem em tudo, certo?

Sem dúvida. A sorte é que eu tinha o primeiro ultrassom dentro da bolsa.

Eu chamo essa bolsa de “A arca perdida”, porque pode sair qualquer coisa de lá.

Enquanto ele fazia da baguete uma espada, o ultrassom era meu escudo. Mas ainda assim ele não acreditou que era meu. Tive que mostrar minha carteira de identidade. No final, ele se calou. Saiu cabisbaixo e voltou a ficar corcunda.

Talvez a terceira guerra mundial seja entre as grávidas e o pessoal da terceira idade. Elas darão umbigadas, eles, bengaladas.

Também passei por apuros na fila do banco. Em pleno horário de pico, trinta pessoas me cozinharam com os olhos. Ninguém falou nada diretamente. Mas ouvi um burburinho cruel sobre a pena que deveria ser aplicada a pessoas que se aproveitam da fila dos idosos. Uma mulher foi reclamar com a gerente do banco. Mas esta sabia que eu estava grávida e a reclamante ficou com o rabo entre as pernas.

Para mim, esta gravidez tem sido ótima. Odeio ir a bancos e correios, então Rita tem sido minha office-girl.

Mas o pior mesmo é nos embarques dos aviões. Algumas vezes, as companhias aéreas não formam filas diferenciadas. É cada um por si. Outras vezes, quando formam filas prioritárias, há passageiros com alta milhagem que atropelam deficientes, idosos e grávidas sem dó. Cheguei a ser empurrada por um cliente diamante da Gol, que pressupôs que eu não tinha nenhuma necessidade especial nem era uma passageira premium. Isso me revoltou e armei o maior barraco no aeroporto.

Parece que a gravidez deixa as mulheres mais reivindicativas. São fêmeas protegendo os filhotes. Grrrrrrr!

Nunca imaginei que falaria isso, mas não vejo a hora de minha barriga crescer. Ela será a garantia definitiva dos meus direitos.

Na gravidez, tamanho de barriga é documento.


Presente para a pré-mãe
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O dia das mães está chegando e ficamos na dúvida se comemoraríamos ou não.

Eu, talvez pensando com o bolso, rapidamente respondi que não.

Eu, por outro lado, já me sinto meio mãe.

Para tirarmos a dúvida, resolvemos fazer uma enquete aqui no blog. E perguntamos: Uma mulher grávida já é mãe?

O resultado foi que dois terços dos respondentes disseram que sim, uma grávida já é mãe. Esse número era previsível. Mas outros dados foram surpreendentes. Por exemplo, eu pensava que o blog era muito mais lido por mulheres, mas tivemos apenas uma ligeira vantagem na participação feminina: 54% a 46%.

Outra surpresa foi que os homens, que eu pensei que votariam maciçamente no “não”, dividiram-se exatamente ao meio. Se bem que alguns deles devem ter sido um tanto coagidos, como o Marcelo Cardoso, que disse: “Mulher grávida é mãe sim! Até porque se eu discordar, minha mulher me mata…”. E Ronyboy falou: “Claro que sim, minha esposa descobriu ontem e já tive que dar presente de R$120,00… Se não for, quero reembolso.”

Eu já imaginava um consenso absoluto entre as mulheres. Mas me surpreendi quando algumas, como Maria Augusta, disseram que “o termo mãe está ligado ao nascimento e não à gestação”.

Maria Augusta tem um augusto senso de justiça.

Falando em justiça, a leitora Chatiana ponderou juridicamente sobre o assunto, revelando que a grávida “é mãe mesmo antes do bebê nascer, pois caso o mesmo venha a falecer após 24 semanas de gestação, ela tem o direito à licença-maternidade”. Há ainda uma portaria de 2010 que considera óbito fetal a partir de quando o bebê tem mais de 500 gramas, idade gestacional de 22 semanas ou comprimento de 25 cm. Ou seja, de certa forma, a partir daí o bebê passaria a ser considerado uma pessoa. Logo, a grávida passaria a ser mãe.

Mas esta é uma questão mais filosófica do que jurídica. E o que há de mais filosófico do que a língua? Nada. Ela é que revela nosso modo de pensar. E, no dicionário Houaiss, como bem lembrou o leitor Avelino Taveiros, a definição de mãe é: ''mulher que deu à luz, ou que cria ou criou um ou mais filhos''.

Antonio Houaiss, o pai do dicionário, nunca foi mãe. E, mais do que filologia, temos que recorrer à “filhologia”. Ou seja, à genética. E, segundo o leitor Carlos Eduardo Benedicto, a grávida é mãe porque “a criança dentro de seu ventre já tem um coração próprio, circulação sanguínea própria, um código genético só dela”.

Mas e aquela história de que “mãe é quem cria”? O Alexandre Luís Vignado lembrou que “mãe é quem cria, não quem vira o zoio e dá a luz”. Se isso é verdade, mãe não é quem gera. Muito menos quem está gerando.

Discordo. Eu tenho me sentido um pouco mais mãe a cada dia. É inegável que, desde que descobri que estou grávida, mudei o meu foco de atenção. Antes eu pensava no que era bom para mim. Agora, penso no que é bom para o meu bebê. Por conta disso, muitas mudanças já aconteceram no meu alimentar, dormir, exercitar e, principalmente, no sentir. Emocional e fisicamente. Porque o seu bebê já me chuta, viu, Torero!

Vai ser um Neymar!

Continuando: apesar de todas as mudanças que têm acontecido comigo, o foco da minha atenção continua sendo interno, porque o bebê está dentro da minha barriga. Daqui a pouco sei que o meu foco vai ser externo para valer.

Acho que esta é a causa da discórdia. Você já se sente mãe porque ele já interage com você. Chuta, dá sono, azia, etc… Mas com o homem isso não acontece. Ele ainda não me babou, não me mijou, nem vomitou em mim. Pai só se sente realmente pai depois que o bebê nasce.

Então você concorda que grávida já é mãe?

Não. E acho que no fundo você quer o mesmo que nossa leitora Michele Cruz, que respondeu à enquete dizendo: “SIMMMMMM! Quero presentes domingo!!!”

Não precisa ser um presente. Basta seguir a sugestão da nossa leitora Fiuca: “Na minha opinião, (grávida) ainda não é mãe, mas pode bem ser homenageada por antecipação, principalmente pelos papais que devem estar bem felizes com a expectativa. Uma rosa bastaria para deixar a futura mamãe contente…”

Ainda não me convenceu. E temos que ser corretos com nossos princípios. Não espere regalias no dia das mães.

Então isso me libera de lhe comprar um presente no dia dos pais, quando ainda estaremos grávidos.

Bem…, talvez eu esteja sendo um tanto radical.