Barrigudos

Nasceu!

Barrigudos

No último sábado, às 18h30, eu estava no salão de beleza. Já tinha feito depilação, as unhas dos pés, sobrancelha, e acabava de pintar as unhas das mãos com esmalte clarinho enquanto Rute, a dona do salão, me contava que seu filho tinha nascido de trinta e quatro semanas.

Eu falei para ela: “Que coincidência! Estou com 33 semanas e meia, quase 34”. Foi então que senti como se eu fosse a nascente de um rio. Um volume de água muito grande começou a sair de mim. Minha calça ficou encharcada rapidamente e logo tinha alagado a cadeira em que eu estava. Nada prepara a gente para um parto prematuro.

No instante seguinte eu recebi uma ligação do celular da Rita. Falei:

-Oi, Rita.

-Não é a Rita. É a Rute. Você está perto do salão?

-A duas quadras.

-Então vem rápido. A bolsa da Barbi estourou.

Eu nem consegui acreditar naquilo. No próximo sábado faríamos o curso para pais e na outra semana teríamos o chá de bebê. O bebê só deveria nascer no começo de setembro. Fiquei tão nervoso que virei à primeira esquerda e errei o caminho. Acabei levando o dobro do tempo para chegar ao salão.

Eu fiquei muito assustada e comecei a tremer muito. De repente vi tolhas e copos de água com açúcar vindo para mim. Eu pensava: “Não pode ser agora, ele está muito pequeno!”

Meu primeiro impulso era tentar parar aquela correnteza. Se eu conseguisse segurar o líquido, ele demoraria mais para nascer. Mas era impossível conter a enxurrada.

Fora isso, eu começava a ouvir a piada pronta: “A Barbi começou o trabalho de parto no salão de beleza”.

Cheguei no salão e fomos em direção ao hospital. A cada curva eu repetia para mim mesmo: “Não posso bater o carro, não posso bater o carro…”

No caminho, liguei para o celular de minha médica e avisei o que tinha acontecido. Ela explicou que no hospital veriam como estava a coisa e tentaríamos retardar o parto para eu poder tomar as medicações necessárias para uma criança prematura: penicilina para evitar infecção e cortisol para amadurecer os pulmõezinhos.

Eu, que só conheço o trabalho de parto pelos filmes, pensava que tudo seria muito rápido. Para mim, depois de estourar a bolsa, teríamos três minutos de comerciais e o bebê já nasceria.

Na emergência, me examinaram e viram que eu estava com contrações leves e espaçadas. Não dava mais para atrasar o parto com remédios. Então, às 20h30, fui levada para a sala de pré-parto. E menos de uma hora depois eu tomava as medicações.

Precisávamos de umas oito horas para que Rita tomasse duas doses de penicilina. E doze horas para que o cortisol fizesse parte de seu trabalho. Ou seja, ela teria que aguentar pelo menos até as 9h30 do dia seguinte.

Eu precisava dar um jeito de trabalhar a dor para aguentar até o fim. Comecei a meditar. Usei todas as técnicas que aprendi. Principalmente as de respiração. Aumentei o nível de concentração e baixei o nível da contração. Com isso a gente ganhou algumas horas.

Eu fiquei ali na cadeira do lado, ora tentando ficar acordado, ora tentando dormir.

Lá pelas 7h00 do domingo, as contrações ficaram mais intensas e mais frequentes. Foi então que a dra. Ana Lucia chegou, me avaliou e disse que, pelo quadro, o bebê nasceria ainda naquela manhã.

As contrações foram piorando. E Rita começou a morder coisas para aliviar a dor. Tratei de ficar a uma distância segura.

Mordi lençol, travesseiro, meu próprio dedo…

Às dez da manhã entramos na sala de parto. Eu levava a minha câmera, pronto para fazer um grande documentário.

As contrações aumentaram muito. E os intervalos eram minúsculos. Não conseguia ficar deitada. Não entendo como alguém pode querer fazer um parto normal deitado. As lágrimas de dor escorriam pelo meu queixo. Sem exageros. E depois de um tempo comecei a urrar. O parto é uma experiência animal.

A barriga de Rita ficou com um formato muito estranho. Com uma ponta bem aguda do lado direito. Era como se um alien fosse sair por ali.

Diante do quadro, dra. Ana Lucia optou por uma cesariana.

O bebê, se não me engano quanto ao termo técnico, estava “defletido em segundo grau”. Acho que isso quer dizer que ele estava tentando sair com o queixo, não com o topo da cabeça. Eu continuava filmando tudo. Mas tremia como se estivesse sem camisa no polo norte.

Eu já estava há mais de quinze horas em trabalho de parto. A dor das contrações era tão grande que nem senti a agulha da anestesia.

E ela não é nada pequena. Dra. Ana Lucia ligou a música ambiente e ainda fez uma piada: “Eu demoro seis meses para ganhar a confiança de vocês, mas todo mundo se apaixona pela anestesista em dois minutos”.

Comecei a não sentir mais nada e um pano foi colocado na minha frente, cobrindo o espetáculo. Daí Torero foi para a frente do palco.

Não é fácil ser um câmera nessa hora. Há muito sangue e muita carne. Cirurgia não é algo delicado. Tem um certo ar medieval. Mas o que me fez tremer mesmo foi ver a ponta da cabeça do bebê saindo. Aí a câmera começou a balançar bastante. E quando o bichinho saiu inteiro… foi inacreditável. Soltei uns grunhidos horríveis de choro sendo contido. Parecia um porco selvagem.

O bebê foi levado para a enfermaria, eu fui ver como Rita estava e a câmera ficou filmando pés e paredes.

Eu ouvi um chorinho forte vindo de longe e confirmaram que era dele. Me deu um alívio! O pulmãozinho estava funcionando! Na mesma hora, começou a tocar Mozart na sala. Bem a música que eu mais gosto e ouvia muito durante a gravidez.

Fui até a sala em que o bebê estava sendo limpo. Ele já estava de gorro. Parecia bem saudável. Pintaram o pezinho dele e ganhei uma tatuagem no braço.

Depois trouxeram o bebê para que eu visse. Foi a melhor imagem da minha vida. O meu filho.  Aí as lágrimas jorravam descontroladas pelas razões certas. Eu estava preparada para ver um ratinho, porque na minha imaginação um bebê prematuro teria uma carinha estranha e caberia em uma mão só. Mas não. Eu achei ele lindo. Uma boquinha, um furinho no queixo… Eu queria poder pegar, cheirar, lamber minha cria. Mas só consegui dar uns beijinhos. Logo levaram ele para longe de mim.

O pequeno nasceu com 2,1kg. Terá que ficar na UTI por algum tempo. Ainda não sabemos ao certo quanto.

O duro é que ele fica longe de nós grande parte do dia. Há algumas horas estava dentro de mim, e agora está a três andares de distância.

Ele mal nasceu e já sentimos saudade dele. Pelo menos, já escolhemos seu nome: Matias.

Agora esperamos pelo segundo parto: o dia em que ele sair do hospital.