A grávida adormecida
Barrigudos
A gravidez não é um sonho. É um sono.
Logo de cara eu passei a ter uns apagões. Sentia uma moleza monstruosa vinda do nada e em segundos eu já estava dormindo.
O “em segundos” não é exagero. Estávamos vendo tevê e, enquanto eu ia pegar alguma coisa na geladeira, ela apagava. E não era um cochilo. Ela praticamente entrava em coma.
Isso piorou muito nas primeiras semanas da gravidez. Até pensei que fosse por conta do trabalho, porque nesta época coordenava muitos projetos ao mesmo tempo.
Teve um dia em que ela dormiu quase 24 horas. Só acordou para comer alguma coisa e voltou para a cama.
O sono não tinha uma lógica para acontecer. Era antes do almoço, no meio da tarde, durante uma ligação telefônica muito chata. Cheguei até a dormir na mesa de trabalho.
Isso não foi o pior. Conta o caso do estacionamento.
Essa é boa! Um dia fui ao supermercado de carro e voltei cheia de compras. No caminho de volta, senti aquele sono monstro chegar. Me concentrei muito para dirigir até em casa. Quando entrei no estacionamento do prédio e parei o carro na vaga, não tinha forças para levar todas aquelas sacolas até o apartamento.
E eu não estava em casa.
O banco do carro estava tão confortável que decidi descansar por ali um pouco.
Mas o pouco virou muito.
Só fui acordar uma hora depois com batidas no vidro do carro. E escutei: “Ela tá morta, mãe?”. Era uma vizinha com seus dois filhos pequenos. Abaixei o vidro e expliquei que estava grávida. Então ela entendeu tudo. No final, todos me ajudaram a levar as sacolas até o apartamento. E a menina, feliz, saiu dizendo “A gente salvou a vida dela, né, mãe?”
Dormir sentada, no carro, na cadeira ou no sofá laranja da sala, passou a ser um clichê. Mas nem é o mais divertido. O estranho mesmo são as posições de contorcionista. Até tirei umas fotos.
Que nós não vamos publicar aqui!
Como ela dorme de repente, se ajeita como dá. Vai um pé para cada lado, o tronco faz umas curvas se desviando do que está por perto, os braços parecem moles como os de marionetes e a cabeça vai para onde manda a gravidade. Isso sem falar nas roupas. Ela dorme como está. De bota? Claro. Com casaco de chuva? Por que não. Tudo é pijama.
E tudo é cama.
Uma das minhas missões mais difíceis é levá-la para a cama. No bom sentido (se bem que todos são bons). O que eu quero dizer é que fazê-la sair de onde está para dormir no quarto é um trabalho de Hércules. Não que eu a carregue, que não sou tão forte. É que tenho que convencê-la, dizendo que o quarto é melhor para dormir, que está só há doze passos, que até já tirei o lençol.
No fundo, este sono de gravidez é tão gostoso que não importa muito onde eu esteja dormindo. Só quero continuar ali.
Algumas vezes eu me dei por derrotado e deixei-a no sofá. Quem sou eu para enfrentar aquele gigante laranja?
Acabei descobrindo que parte deste sono era por conta da pressão, que baixava muito. Aí a dica da minha médica foi ótima: meias de compressão. Por conta disso parei de dormir no horário de trabalho. Mas não nos outros.
Depois de ver todo este sono da Rita, fiquei pensando: Será que a Bela Adormecida estava grávida?