Barrigudos

Cantigas aterrorizantes de ninar

Barrigudos

Um amigo falou que aos sete meses o bebê já escuta o que falamos, e contou que cantava músicas de ninar para seu filho na barriga da mãe. E depois do nascimento, quando cantava para ele dormir, a música fazia muito efeito.

O curioso é que o Torero nunca gostou muito dessa ideia de falar com o bebê na barriga. Ele fazia uma cara de descrença e falava qualquer bobagem para o bebê, tipo: “Se você está me ouvindo, chute três vezes”.

Mas a chance de a música de ninar ser um sonífero natural fez com que eu reconsiderasse meu ceticismo. Pigarreei, fiz cara de Pavarotti e mandei: “Boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta…”

– Ah, não! – eu protestei. – Pode ir para lá com essa cantoria de medo.

– Mas é só uma melodia. Ele ainda não sabe falar.

– É assim que você começa a incutir medo na criança.

Pensando bem, a música falava contra a natureza (o boi) e tinha um fundo racista (o boi tem a cara preta). Escolhi outra peça do meu repertório e mandei: “Dorme, neném, que a Cuca vem pegar. Papai foi na roça, mamãe foi trabalhar.”

– Essa também não. Por causa dessa música, eu me escondia atrás do sofá quando a Cuca aparecia no Sítio do Pica-Pau Amarelo. Sem contar que sugere que o bebê tem que dormir porque ele foi abandonado pelo pai e pela mãe, mesmo que por causa do trabalho.

Nem argumentei contra. Só limpei a garganta, botei minha boca perto do umbigo de Rita e cantei: “Atirei o pau no ga-to-tô, mas o ga-to-tô não morreu-reu-reu, dona Chica admirou-se-se do berro que o gato deu: miau!”

– Isso, Torero, vamos ensinar o nosso filho, desde o útero, a maltratar os animais.

– Mas o gato não morreu.

– Também não morre quando puxam o rabo, cortam os bigodes…

– Eu tinha cinco anos quando cortei os bigodes da Giane. Não é justo você jogar isso na minha cara!

– A gente tem que criar os filhos para serem melhores do que a gente!

Como não luto contra pontos de exclamação, escolhi outra música: “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar, vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar”. Como vi que Rita não tinha protestado, continuei: “O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.”

– Isso, vamos dar a impressão de que o mundo é cheio de falsidade, de anéis de vidro e não de diamante. E para piorar vamos passar a ideia de que o amor é algo frágil, que se acaba. Que segurança ele vai ter ouvindo isso do próprio pai desde o útero?

– Tá bom…

– Não tem uma música de coelhinho?

– Coelhinho, se eu fosse como tu, tirava a mão do bolso e…

– Não, essa não!

Desisti das cantigas de ninar e mandei: “Nossa, nossa, assim você me mata. Ai se eu te pego, ai, ai se eu te pego…”

– Vamos subir o nível. Que tal uma MPB?

Apelei para o Chico Buarque: “Olha aí, ai, o meu guri, olha aí, olha aí, é o meu guri, e ele chega…”

– Para, para! Já estou ficando com vontade de chorar. Essa música acaba comigo. A realidade dos meninos de rua é muito dura…

– Eu desisto! 

– E se a gente tentasse os clássicos, como Mozart e Bach?

– Eu não sei cantarolar estas coisas. Meu limite é “Boi, boi, boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta…”

– Tá bom, canta o que você quiser e depois a gente conserta nosso filho com terapia. E me passa aquele tapa-ouvidos.