Barrigudos

A história de Catarina, a dona do pezinho abaixo

Barrigudos

As histórias de mães e pais de UTI são tão emocionantes e únicas que eu e Rita decidimos que não deveríamos contar só a nossa. Assim, a partir de hoje, todas as quintas-feiras teremos um texto escrito por um pai ou uma mãe de prematuro. Para abrir esta nova seção, convidamos a Soraia Fiaccadori Braz, mãe de Catarina.

Pezinho1

Uma enfermeira se abaixou e falou-me ao pé do ouvido:

– Te acalma, é uma menina, ela está viva, pesa 460 gramas e está tudo bem!

E foi assim que, depois de horas chorando e vomitando, eu pude, digamos, me acalmar.

E Catarina nasceu! O conceito médico define como aborto o feto com menos de 500 gramas. Mas na hora H ela chorou! Não era um aborto, era um milagre!!!

A mãe de um prematuro é um ser diferenciado. Ela não tem direito ao repouso após a cirurgia cesariana. No mesmo dia ela começa a peregrinação do seu leito até a UTI neonatal, várias vezes ao dia. Anda curvada de dor. Dor física e emocional. Mas, ao mesmo tempo em que chora, agradece a Deus pelo seu filho estar bem até aquele momento. A mãe de UTI olha ao lado a dor da sua vizinha de leito e se compadece com a dor alheia.

Quatro dias depois do nascimento, que alegria, ela começou a ingerir leite materno pela sonda. 1 ml de 3 em 3 horas!

Com vinte dias, no dia de Santo Antonio, ela fez uma cirurgia cardíaca e tudo correu bem, até a recuperação.

Nós mudamos de sala na UTI quatro vezes. Catarina teve 4 pneumonias. Ficou entubada por 111 dias. A partir deste dia, em que ela arrancou o tubo de oxigênio, eu pude ouvir sua voz. Foi como música para os meus ouvidos.

Fiz amigas de UTI e aprendi muito sobre traqueostomia, gastrostomia, síndrome de Partau, síndrome de Edward. Vivi momentos sinceros, abraços apertados onde a situação socioeconômica nada importavam, mas apenas um olhar e um ouvido atento para escutar aquela amiga que naquele dia não tinha tido boas noticias. Vi cinco crianças falecerem. Todas tinham mais peso que a minha bebê.

Encontrava outras amigas no lactário. Choravam porque não tinham leite. Trocávamos nomes de remédios que ajudavam no efeito colateral a produzir mais leite. Falávamos cada uma do seu caso e, assim, parecia amenizar aquela situação onde você tem que se despir na frente de alguém que você nunca viu, que fica te olhando e olhando o quanto você consegue tirar de leite.

Na UTI neonatal não podem entrar crianças de fora. Logo, minha outra filha conheceu a irmã no dia em que ela veio pra casa. Foram 154 dias de UTI. Foram necessárias onze transfusões de sangue e duas transfusões de plaquetas. Tem displasia pulmonar. Ela alcançou peso com quatro dígitos na segunda quinzena de julho, com quase dois meses de vida. E na mesma semana eu pude pega-la no colo pela primeira vez. É indescritível a sensação de fazer o primeiro canguru com seu bebê.

Eu rezei para que ela viesse pra casa livre de qualquer resquício da prematuridade extrema. Ela veio, mas não como eu sonhei. Como outra mãe da UTI, preferi  chamar o motorista da ambulância de choffeur particular, para parecer menos traumático. Vir pra casa com serviço de home care não é bem o sonho de consumo de uma mãe de UTI , mas vir pra casa, apenas utilizando catéter de oxigênio na menor graduação existente, depois de quase ser desperdiçada como um aborto, não tem palavras que traduzam o sentimento de vitória.

Soraia Fiaccadori Braz

 

(Se quiser contar a sua história, mande um email para torero@uol.com.br)