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Matias vai à pediatra
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(Hoje, Rita escreve em preto, Torero, em azul)

 

Matias deu seu primeiro passeio.

Infelizmente não foi para um parque ou para uma praia. Nós o levamos à pediatra.

Depois de colocá-lo na cadeirinha, saí dirigindo com cuidado. Trazendo Matias para casa não passei dos 30 km/h. Agora já estou bem mais ousado e cheguei aos 35 km/h. Não foi uma viagem muito rápida, mas em compensação deu tempo para preparamos uma boa lista de perguntas.  

No consultório, a primeira coisa que chamou nossa atenção foi que a simpática secretária nos levou para uma sala separada, porque havia outras crianças na recepção.

Quando questionamos o por quê, ela disse que os prematuros precisam de mais cuidado e Matias não estava imunizado o suficiente para entrar em contato com outras crianças.

Durante nossa conversa com a médica, minha primeira pergunta foi quando poderia deixar Matias só com o leite materno.

Ela respondeu que, pelo jeito, isso não iria acontecer tão cedo, e que eu teria que complementar a mamada dele com leite artificial, assim como na UTI.

Sobre este assunto, vale um parêntese:

Não produzo quantidade suficiente para suas necessidades diárias, mas achei que em casa isso se resolveria magicamente: meu leite jorraria como um poço de petróleo branco e eu reproduziria aquele quadro de Leonardo da Vinci com a Madonna dando o peito para Jesus. Ledo engano.  Tivemos que continuar com o leite artificial. Há xiitas que pregam que o leite que a mãe produz é suficiente para a criança. Mas às vezes isso não é verdade. Uma das mães que esteve no consultório recentemente decidiu deixar seu bebê prematuro somente no peito. Mas ela não tinha leite bastante e ele acabou perdendo peso, o que é perigoso.

A pediatra também falou sobre visitas: os prematuros precisam de uma espécie de quarentena, porque não podem pegar nenhuma doença, sob o risco de voltarem para a UTI. Ela só liberou a visita dos avós e tios, desde que não estejam com tosse, febre, dor de cabeça, alergias e afins. Mesmo assim, só para ver de longe, sem encostar no bebê.

Meu pai está com pneumonia e não poderá ver o seu neto por um boooooom tempo.

Depois das perguntas fomos para a parte da consulta que mais nos deixava apreensivos: o exame médico.

Tínhamos medo de que ele não se comportasse bem, lançando um cocô spray como faz em casa, e assim manchando a parede, o avental da médica e infectando para sempre seu estetoscópio.

Nessa parte, felizmente, Matias comportou-se como um cavalheiro. Não fez seu cocô a jato nem brincou de hidrante quebrado, molhando todo mundo à sua volta.

A segunda questão era ver seu peso e altura. Será que nas mãos de pais inexperientes ele teria perdido preciosas gramas? Ou pior: teria encolhido?

Quando ela colocou a régua ao lado dele, vimos que tinha crescido. Agora Matias é um rapagão de 46,5 centímetros.

O mais importante, porém, era o peso. Teríamos alimentado mal o nosso filho? Então eis que, quando a médica o colocou na balança, apareceram os números 2540. Matias tinha engordado 230 gramas. Quase 40 gramas por dia!

Sinos badalaram, fogos de artifício explodiram no céu, confetes caíram do teto e faixas desceram surgiram com os dizeres: “Vocês são grandes pais!”, “Parabéns!” e “Dá-lhe, Matias!”.

Aquele aumento de peso do Matias nos tirou um peso das costas. Valeu a pena acordá-lo de três em três horas, esterilizar mamadeiras, bombear leite do peito e dançar com ele de madrugada por conta das cólicas.

Valeu até limpar as paredes de cocô spray.

 

 


O primeiro dia de Matias em casa
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(hoje o texto é em dupla: Torero escreve em azul e Rita em preto)

 

Depois de vinte e três dias na UTI, Matias finalmente veio para casa.

Ele teve direito a um corredor de aplausos na saída da maternidade. Foi bom ver as enfermeiras, funcionários da UTI e as outras mães dando adeus para nós. Mas fiquei um pouco triste ao deixá-las. Provavelmente nunca mais verei muitas delas, e elas foram tão importantes para nós.

Eu queria que as outras mães de UTI pudessem sentir essa felicidade de levar o filho para casa logo, logo. As amizades que fizemos por lá foram intensas porque os dias foram muito intensos. É como uma expedição que subiu o Everest: ficamos ligados com aqueles que estiveram conosco lado a lado em uma aventura de grandes proporções.

Na saída do hospital, minha primeira trapalhada: não consegui colocar o cinto de segurança da cadeirinha em Matias (aliás, a colocação da cadeirinha merece um post à parte). Então o porteiro-recepcionista-segurança da maternidade veio me ajudar. Ele certamente é um expert em cadeirinhas. Deve salvar vários pais todos os dias. Ele deu um jeito no cinto e aí consegui colocar Matias no banco de trás.

Eu sentei atrás com ele.

No caminho andei bem devagar. Minha máxima deve ter sido de 30 km/h. A ideia era fazer minha carroça balançar o menos possível. Se houve congestionamento em São Paulo naquele período, a culpa é minha.

Eu fiquei segurando a cabeça dele para que não a batesse. Ele era tão pequenininho para o bebê conforto…

Quando chegamos em casa senti uma sensação de que finalmente o parto de Matias tinha acabado.

Eu fui fazer a caminha dele. Tentei deixá-la parecida com a que ele tinha na UTI, fazendo uma espécie de ninho com os lençóis. Ele olhava para o teto com olhos arregalados.

Depois acabamos colocando ele na nossa cama, só para que ele tomasse posse do lugar. E, eu juro, ele riu nessa hora.

Na primeira troca de roupa, éramos dois trocando uma criança. Nos atrapalhamos um bocado com os colchetes da roupa dele.

Deve ter sido a troca mais lenta da história.

Pelo menos, da história de Matias.

Mas na segunda troca já fomos melhores.

E, na terceira, Matias deu um show. Primeiro fez xixi em Torero.

No meu casaco favorito, é claro.

Depois, soltou um jato de cocô que foi longe, que chamei de cocô-spray.

Eu nunca tinha visto nada parecido. Se houvesse uma competição de cocô à distância, Matias iria para as Olimpíadas!  

Carimbou a parede como uma obra de arte e deixou um rastro amarelado em vários objetos que estavam na cômoda.

Inclusive numa caneca que ganhei num encontro de escritores. Acho que daqui pra frente vou usá-la apenas como porta-lápis.

Para ganhar peso, ele continua tendo que mamar de três em três horas. Ou seja, nossa chance de dormir é entre estas mamadas. Mas nem isso conseguimos.

Passamos a noite em claro. Rita não queria apagar a luz, para ficar olhando Matias e ver se estava tudo bem.

Eu tinha medo de que acontecesse alguma coisa com ele. Um sufoco, um engasgo, uma apneia.

Por algumas horas ficamos assim. Mas convenci Rita a deixar apenas uma luz fraca. Aí foi minha vez de ficar preocupado, porque não dava para vê-lo direito. Então decidi ser mais radical: coloquei Matias sobre meu peito. Depois de algum tempo foi a vez de Rita.

Só assim conseguimos dormir. Porque Matias estava onde devia estar.

 


Anjos de avental
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Desde pequena minha vó me ensinou a rezar para o meu anjo da guarda. Eu imaginava que esse anjo era um homem alto, com grandes asas, cabelo enrolado e roupa branca.

Mas a estadia de Matias na UTI neonatal me fez descobrir que os anjos não têm asas, são na maioria mulheres, vêm em todos os tamanhos e têm diversos tipos de cabelo. E mais: usam aventais.

São Anas, Márcias, Cidas, Jácis, Alices, Fátimas, Cristinas, Fês, Más, Cás, Pês, Lês, Máris, Tátis e Marias.

Não importa se são fisioterapeutas, fonoaudiólogas, enfermeiras, médicas ou auxiliares de enfermagem. Elas voam de um lado para outro atendendo pedidos, socorrendo quem precisa, aliviando dores, salvando vidas.

Mas afinal, o que levou essas mulheres a seguirem a carreira de cuidar dos outros e passar a trabalhar em um berçário de alto risco?

Algumas, como Janaína e Helenice, cuidaram de parentes doentes e isso despertou nelas a vocação do cuidar.

Monaliza e Claudia sonhavam em se tornar médicas. A fisioterapia e a enfermagem foram as formas que elas encontraram de chegar mais perto deste sonho.

Patrícia e Adriana começaram a trabalhar no hospital em funções administrativas, mas se apaixonaram pelos cuidados com os bebês.

Já Aline sabia que gostaria de trabalhar na área de saúde. No estágio viu gente morta e não se impressionou. Então achou que deveria continuar na faculdade de enfermagem.

A maioria dos anjos de avental não pensa em mudar de profissão nem quer sair da área neonatal.

É o caso de Aninha, que trabalhava na farmácia do hospital. Ela conheceu a enfermagem, se apaixonou pelo trabalho com prematuros e está realizada. Quem a vê cuidando dos bebês percebe que ela tem um dom especial.

Eu pensava que seria muito mais fácil ser mãe se soubesse o que elas sabem. Mas Roberta, superexperiente com bebês prematuros extremos, me acalmou. Ela contou que quando teve o seu primeiro filho passou a primeira noite acordada, olhando para ele, com medo que sufocasse. Ela teve medo de algo acontecer e não ter em casa todo o equipamento ao qual está acostumada.

Pelo jeito, ser mãe iguala a todas nós.

Os anjos de avental cuidam de nossos filhos até melhor do que poderíamos cuidar. É impressionante observar como tratam de seres tão pequenos com tanta destreza e confiança. Ao mesmo tempo em que falam com os bebês fazendo vozes infantis, elas passam cateteres, caçam veias minúsculas, fazem curativos, administram medicamentos e colocam sondas.

Fica em mim uma sensação de agradecimento profundo a todas essas mulheres. Elas ajudaram a salvar a vida do meu filho. E isso mãe nenhuma esquece.

É manhãzinha de terça-feira. Entro na UTI e a movimentação é grande. Lá vão os anjos de avental cuidar de Isabelas, Sofias, Lauras, Marias, Eduardas, Pedros, Bentos, Mateus, Arthurs, Marcelos, Gabriéis e do meu Matias.

Acho que, além de rezar pelo meu anjo da guarda, passarei a rezar para elas.


Pais de UTI passam seu dia no corredor do hospital
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Era para ser assim:

 De manhãzinha, antes que eu acordasse, Rita se levantaria silenciosamente, pegaria Matias no berço e o acordaria com um afago na cabeça. Então, sem fazer nenhum barulho, colocaria Matias em cima do meu peito. Eu acordaria e veria os olhos dele abertos, mirando-me fixamente, tentando entender quem seria aquele sujeito que sorria para ele. Eu encostaria meu nariz no nariz de Matias, ele daria um pequeno sorriso e soltaria um gemido de felicidade que mais pareceria um miadinho de gato.

 Mas não foi assim.

 São 8h17 da manhã de domingo. Hoje é o vigésimo-segundo dia de Matias na UTI, que nasceu prematuro. Eu e outros três pais estamos aqui no corredor do hospital, esperando que as mães acabem de amamentar para vermos nossos filhos. Eu escrevo, o segundo olha o celular, o terceiro está pensando em alguma coisa (talvez no seu dia dos pais ideal) e o quarto dorme com um ar exausto.

 Em vez de termos bebês pulando sobre nossas barrigas, estamos sentados nas poltronas do corredor do hospital. Como nossos filhos estão dentro de caixas transparentes, não poderemos apertá-los e jogá-los para cima como gostaríamos. Ou talvez não sejam eles que estejam dentro de uma caixa. Talvez nós é que estamos trancados do lado de fora. Tudo é questão de ponto de vista.

A sensação de estar tão perto e tão longe de Matias me lembra (em menor escala, é claro) um natal em que ganhei um pequeno tanque de guerra. Ele era espetacular: andava, fazia barulho, tinha pintura camuflada e até soltava um míssil. Ideal para praticar tiro ao alvo nos vasos de minha mãe. Mas meu pai se esqueceu de comprar as pilhas. O tanque estava lá, lindo em sua pintura camuflada, mas não andava, não fazia barulho e, o pior de tudo, não disparava seu míssil.

Nossa situação é um tanto triste, mas nenhum dos pais do corredor está deprimido. Pelo contrário. Não damos a menor importância em não ganhar uma caneca onde se lê “Para o melhor pai do mundo”. O que queremos é que nossos pequenos fiquem bons e saiam logo do hospital. Na verdade, como somos pais de prematuros, neste dia dos pais nem planejávamos que já fôssemos pais. Ganhamos horas extras.

Em relação à paternidade, estou meio no limbo. O homem que eu chamava de pai já se foi. E o menino que vai me chamar de pai ainda não veio. Pelo menos, não de vez. Por enquanto, é como se tivéssemos uma guarda compartilhada com o hospital. Talvez por isso nós, pais, não nos cumprimentemos. Nenhum de nós fala para outro ''Feliz dia dos pais''.

Mas tudo bem. Ser pai de UTI é aprender a ser paciente. É aprender que somos reles coadjuvantes. Não carregamos nossos filhos na barriga, não damos leite, ficamos no corredor.

E, este ano, nem ganharemos presentes.

Mas no ano que vem quero minha caneca. Ou um tanque que dispara mísseis.

 

PS: Quando entrei na UTI, Matias estava com esta roupa e até esboçou um sorriso. Já ganhou um aumento de mesada.


O dia em que virei canguru
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É isso mesmo, eu virei um canguru!

Não um canguru muito típico, é verdade. Não estou na Austrália, não tenho aquelas orelhas enormes, nem aquele rabo comprido. Mas fiquei com Matias na minha barriga.

A técnica do canguru consiste numa série de medidas que visam ajudar na recuperação do bebê prematuro. A parte mais conhecida é deixar o bebê em contato com físico com o pai ou com a mãe. Eles ficam em nosso peito, mais ou menos como um filhote de canguru. E nunca por menos de uma hora.

Os especialistas dizem que ajuda a criança a ganhar peso, auxilia na produção de leite materno, diminui o impacto provocado pela prematuridade, cria vínculo afetivo etc…

Não tenho certeza dos benefícios que traz aos bebês, mas os pais sempre saem alegrinhos da sala depois de fazerem o canguru.

Matias também parece gostar muito. No começo ele até dá uns miadinhos, sons que eu traduzo como: “Isso é gostoso”, “Você é quentinho” e “Sua barrigona é bem macia, não emagreça nunca”.

O canguru é um jeito ficar mais perto dele. Um jeito dele ser mais meu. Um jeito de este pronome possessivo ser usado com mais autoridade.

Como Matias foi para a UTI logo que nasceu, nosso contato físico foi pequeno até agora. Se juntar todos os momentos em que o segurei no colo, deve dar menos do que um pai segura o filho recém-nascido em seu primeiro dia em casa.

O canguru, que também é chamado de pele-a-pele (no meu caso seria mais certo dizer pele-a-pelo), ajuda a diminuir esta distância. Eu posso sentir seu calor, a penugem nas suas costas, passar o dedo pelo seu narizinho arrebitado (como o da Rita), pelo seu queixo com covinha (como o da Rita) e pelo seu cabelo ralinho (como o meu).  

Algumas enfermeiras não deixam o bebê ficar em contato com os pelos do peito do pai. Outras dizem que é melhor assim. Por conta das primeiras, um pai chegou a depilar o peito. E nada de passar lâmina de barbear. Ele usou cera mesmo. Acho que colocar um paninho sobre o peito é mais prático. E dói menos.

Uma coisa divertida é ficar bem deitado na cadeira. Aí consigo sentir o peso de Matias. Um pesinho. Ele agora está com 2,07 kg.

Matias fica tão à vontade nesta posição que dorme em poucos segundos. E fica uma hora sem se mexer um milímetro. Só solta uns puns de vez em quando.

Fazer o canguru me deu uma boa ideia: Vou colocar Matias dentro de minha camisa e fugir com ele da maternidade. Se alguém perguntar, digo que engordei um pouco por causa da tensão. “Sabe como é, a gente fica comendo muito chocolate…”

Acho que colocarei meu plano em prática amanhã.

Tomara que os seguranças do hospital não leiam este blog.


Mães de bebês prematuros sofrem com falta de leite
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Logo que nasceu, Matias ficou alguns dias só com soro, porque seu pequeno estômago prematuro não conseguia enviar tudo ao intestino. Por isso fiquei contente quando soube que meu leite começaria a ir para ele.

Mas não foi fácil.

As primeiras vezes em um banco de leite são desesperadoras. Não porque somos sugadas por uma bomba. Mas porque não sai nada.

É que, quando nasce um bebê prematuro, também nasce uma mãe prematura. E assim eu precisei de alguns dias de estimulação da bomba elétrica de sucção para que o colostro começasse a descer.

Não era um volume graaaaande, mas Matias começou tomando apenas 2 ml de leite por mamada. Então não havia problema.

Era um mix de felicidade e estranheza. Estava feliz porque, com o leite materno, Matias passaria a receber anticorpos, seus leucócitos (que estavam baixos) aumentariam e eu tinha a certeza de que ele começaria a melhorar. Mas me senti estranha porque ele mamaria através de uma sonda.

Nossa rotina no banco de leite é estranha. No hospital em que estou, a ordenha (sim, este é o termo oficial) acontece quatro vezes por dia, de três em três horas.

Tudo começa numa antessala, onde lavamos e higienizamos as mãos com álcool-gel. Depois vestimos nossos uniformes: avental azul, touca e máscara brancas (nos primeiros dias eu só conhecia as outras mães de UTI pelos olhos). Depois entramos na sala da ordenha. Ali somos novamente lavadas, desinfetadas e vamos para as baias. Como as de um escritório.

Ou como as de um estábulo de ordenha.

Em cada baia há uma bomba elétrica de sucção. Nela, gastaremos dois minutos na velocidade mínima, oito na média e cinco na máxima. A máxima pode machucar muito os mamilos. Mas dizem que o poder de sucção de um bebê é ainda maior. Infelizmente ainda não sei se é verdade.

O leite é depositado em vidros esterilizados. Há os de 70 ml e os de 150 ml. Dá muito desespero quando pego o vidro maior, porque parece que ele não enche nunca. Esse vidro me deprime. Prefiro pegar o de 70 ml e vê-lo cheio.

Algumas mulheres possuem muito leite e a mama fica dolorida. O apelido carinhoso dessas mães é “mimosa”. Elas precisam alugar, ou comprar, uma bomba, e tirar leite mais uma ou duas vezes em casa, senão ele empedra, o que dói muito. E não podem emprestar o excedente, porque cada criança recebe o leite de sua própria mãe.

Os meus seios doeram bastante nos primeiros dias. Depois aprendi a fazer uma massagem de “desempedramento” enquanto sou sugada pela bomba. O mantra é: “Onde dói, você tem que apertar”. Vai machucar, mas depois alivia, porque o leite escoa.

Isso me fez entender as mulheres que desistem de amamentar. Mas, depois que vi o quanto Matias melhorou com o leite materno, acho que vale sentir toda esta dor pelo filho.

Também vi que há mulheres que não sentem nada. E outras só vão sentir dor quando o bebê começa a mamar no peito. Não há regra.

Uma questão delicada é a contagem dos mililitros. O prematuro começa recebendo muito pouco leite. Então você facilmente produz o bastante para alimentar seu bebê. Mas aí, aos poucos, eles vão tomando mais leite. Matias começou com 2ml. Depois foi para 4, 8, 9, 12, 15, 20, 30 e agora está em 35ml. Como ele faz oito mamadas, são 280 ml por dia. E eu ainda não forneço tudo isso. Ele tem que complementar com leite artificial. Tenho a sensação de falhar como mulher e mãe. Mesmo com os médicos dizendo que estou produzindo uma quantidade normal para as circunstâncias.

O leite virou minha obsessão. O pior é que, quanto mais eu fico nervosa com isso, menos o leite desce. E quanto menos o leite desce, mais nervosa eu fico.

Todos dizem que a lactação aumenta quando o bebê começa a mamar no peito. Matias já está tentando. Mas ele ainda é muito pequeno e dorme depois de duas sugadas.

O meu maior medo é o leite secar antes de Matias aprender a mamar.

 


Rotina de mãe de UTI tem lágrimas e aplausos
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No dia 21 de julho ganhei duas identidades: virei mãe do Matias e uma mãe de UTI. Eu quis muito ser mãe do Matias. Mas não desejaria nem ao meu pior inimigo que ele se tornasse uma mãe de UTI.

Uma mãe começa a ser de UTI quando vê seu filho na incubadora pela primeira vez. Não é fácil. O bebê está cheio de fios, com as mãos roxas por conta das picadas de agulha e com tubos que nem deixam a gente ver o rostinho dele.

Depois tem a primeira vez no banco de leite. Em geral, as mães estão de cadeira de rodas, recém-operadas, usam pijamas de flanela e os olhos estão vermelhos de tanto chorar. A primeira coisa que nos sugará não é a boquinha de um bebê, mas uma bomba elétrica. Algo nada charmoso.

No hospital onde estamos, as cinquenta mães com bebês na UTI possuem uma sala de apoio para elas. Lá temos tevê, oito poltronas, um banheiro, uma geladeirinha e armários. Aliás, quando ganhei a chave do meu armário é que percebi que a estadia do Matias não seria tão breve e eu tinha me tornado uma mãe de UTI.

Ser mãe é padecer numa sala de apoio. Ela pode ser algo apaziguador ou depressivo. Tudo depende do clima das mães que estão lá. Se todas tiveram progresso com seus bebês no dia, rola até piada. Se algum bebê piorou, o ar fica denso.

Passamos cerca de doze horas no hospital todos os dias. Uma das mães que encontrei por aqui tem até um bordão: “Isto é pior que um emprego”.

Falando em emprego, há vários chefes que telefonam ou mandam e-mails cobrando as mães sobre finalizações de trabalho, informações ou até mesmo reuniões. Geralmente os prematuros chegam de surpresa, o que não dá muito tempo para as mães se desligarem adequadamente do trabalho. Por outro lado, os chefes não têm ideia do que é a rotina de uma mãe de UTI. Foi engraçado presenciar algumas mandando seus superiores à *&%#@. A prioridade número um de uma mãe de UTI é o seu bebê.

As mulheres nesta situação contam os sucessos em pequenas medidas: quantos mililitros de leite o bebê passou a mamar e quantos gramas ganhou em peso.

Na UTI, nenhuma de nós sabe onde a outra mora, no que trabalha ou quantos dígitos há na sua conta bancária. Mas sabemos os detalhes dos partos e as informações de seus bebês, como peso, altura, procedimentos que fez, medicações que toma.

A maioria de nós não teve chá de bebê, não veio com mala de maternidade pronta, não tinha o enxoval completo, nem o quarto do bebê totalmente arrumado. E nada disso fez diferença. Os bebês não usam roupas na incubadora e não voltam conosco para casa.

Somos conhecidas pelo primeiro nome e como mãe de nossos filhos. Aqui sou “Maria-Rita-mãe-do-Matias”.

As mulheres nesta situação têm muito em comum e enfrentam um tsunami emocional diário. Não há um dia em que não se chore, seja de alegria ou tristeza.

O pior que pode acontecer é a perda de um bebê. Nesta hora, todas choramos. Pelo bebê que se foi, pela mãe e por medo que aconteça conosco.

Mas existe o momento da consagração, que é a ida do bebê para casa. Há até um ritual de celebração: os funcionários e as mãe de UTI fazem um corredor polonês e a mãe e seu bebê são aplaudidos enquanto saem. Mas não é um aplauso curto, um aplauso de parabéns. É um aplauso longuíssimo, misturado com muitas, muitas lágrimas. Parece algo tribal, como se toda a aldeia de mães festejasse a vitória daquele bebê e invocasse as próximas.

Não vejo a hora de isso acontecer comigo.

 


Ser pai de prematuro na UTI é viver numa montanha russa
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Matias está na UTI neonatal. Já escutamos previsões muito diferentes sobre quanto tempo ele vai ficar por lá. De uma a seis semanas.

Mesmo por um dia, a UTI é uma montanha russa sentimental. A cada notícia ruim, você entra em depressão. A cada notícia boa, carnaval.

Matias nasceu bem, mas aos poucos teve que ir colocando apetrechos. Primeiro foi uma sonda que entra pela boca e vai até seu estômago, depois um cateter no braço para receber alimentação parenteral, luz para a icterícia (o que implica nuns óculos azuis), um tubo que empurra ar em suas narinas (que implica num gorro e em dois tubões, um vindo de cada lado do rosto), aí teve apneia e precisou de medicação, tem eletrodos no peito para monitorar a frequência cardíaca, uma botinha azul com fiozinho que não sei para que serve etc… Meu filho parece astronauta. 

Só dá para ver o queixo com covinha.

A cada apetrecho colocado, você sente vontade de chorar. E às vezes chora mesmo.

Aliás, chora-se por vários motivos. Por exemplo, ao ver a enfermeira tirando sangue de um mãozinha tão pequena. E não tanto pela agulha, mas mais pelo fato de ele não reagir, não espernear, não berrar de dor e de protesto. Pode ser também o email sincero de um amigo ou uma mãe que cantarola uma música triste para a filha que está na incubadora ao lado.

De todas as tristezas, a mais triste ir para casa sem nosso filho. É uma frustração. Uma sensação de incapacidade, de impotência. Dá uma certa raiva do mundo. Você sabe que ninguém tem culpa, mas dá uma raiva geral, com foco indeterminado. Para piorar, a saída do hospital é cheia de burocracia. Na mesma hora em que temos que pagar todas as despesas (como se fôssemos fugir para a Toscana e deixar o nosso filho na UTI), tivemos que assinar os papéis da internação de Matias. A vontade é de trocar uns socos com o dono do hospital. Pelo menos aliviaria a raiva.

Mas o problema não é a saída do hospital. É chegar em casa. Ver aquele berço vazio é uma tristeza violenta. Você sente que abandonou o menino, pensa que nada tem justiça nem lógica.

Mas também há lágrimas de felicidade. E por coisas aparentemente pequenas. Por exemplo, anteontem ele recebeu pela primeira vez o leite da mãe e não houve problema. Foi uma festa. Quase estouramos uma garrafa de champanhe. Se bem que minha vontade era apertar os seios de Rita e ver o leite espirrar num jato imenso, molhando o teto, escorrendo pelas paredes e fazendo poças no chão. Mas seria desperdício. Todo o leite deve ir para Matias.

Os médicos avisam que esta montanha russa emocional vai durar até a saída de Matias do hospital. Mas, depois dele conseguir beber o leite materno, não consigo acreditar nisso. Penso que ele ficará cada dia mais forte, e daqui a pouco estará tão musculoso que vai arrebentar a incubadora, andar até a sala de espera da UTI e falar para nós com voz grossa: “Vamos embora, pessoal. Quero tomar um porre de leite lá em casa!”

 


Nasceu!
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No último sábado, às 18h30, eu estava no salão de beleza. Já tinha feito depilação, as unhas dos pés, sobrancelha, e acabava de pintar as unhas das mãos com esmalte clarinho enquanto Rute, a dona do salão, me contava que seu filho tinha nascido de trinta e quatro semanas.

Eu falei para ela: “Que coincidência! Estou com 33 semanas e meia, quase 34”. Foi então que senti como se eu fosse a nascente de um rio. Um volume de água muito grande começou a sair de mim. Minha calça ficou encharcada rapidamente e logo tinha alagado a cadeira em que eu estava. Nada prepara a gente para um parto prematuro.

No instante seguinte eu recebi uma ligação do celular da Rita. Falei:

-Oi, Rita.

-Não é a Rita. É a Rute. Você está perto do salão?

-A duas quadras.

-Então vem rápido. A bolsa da Barbi estourou.

Eu nem consegui acreditar naquilo. No próximo sábado faríamos o curso para pais e na outra semana teríamos o chá de bebê. O bebê só deveria nascer no começo de setembro. Fiquei tão nervoso que virei à primeira esquerda e errei o caminho. Acabei levando o dobro do tempo para chegar ao salão.

Eu fiquei muito assustada e comecei a tremer muito. De repente vi tolhas e copos de água com açúcar vindo para mim. Eu pensava: “Não pode ser agora, ele está muito pequeno!”

Meu primeiro impulso era tentar parar aquela correnteza. Se eu conseguisse segurar o líquido, ele demoraria mais para nascer. Mas era impossível conter a enxurrada.

Fora isso, eu começava a ouvir a piada pronta: “A Barbi começou o trabalho de parto no salão de beleza”.

Cheguei no salão e fomos em direção ao hospital. A cada curva eu repetia para mim mesmo: “Não posso bater o carro, não posso bater o carro…”

No caminho, liguei para o celular de minha médica e avisei o que tinha acontecido. Ela explicou que no hospital veriam como estava a coisa e tentaríamos retardar o parto para eu poder tomar as medicações necessárias para uma criança prematura: penicilina para evitar infecção e cortisol para amadurecer os pulmõezinhos.

Eu, que só conheço o trabalho de parto pelos filmes, pensava que tudo seria muito rápido. Para mim, depois de estourar a bolsa, teríamos três minutos de comerciais e o bebê já nasceria.

Na emergência, me examinaram e viram que eu estava com contrações leves e espaçadas. Não dava mais para atrasar o parto com remédios. Então, às 20h30, fui levada para a sala de pré-parto. E menos de uma hora depois eu tomava as medicações.

Precisávamos de umas oito horas para que Rita tomasse duas doses de penicilina. E doze horas para que o cortisol fizesse parte de seu trabalho. Ou seja, ela teria que aguentar pelo menos até as 9h30 do dia seguinte.

Eu precisava dar um jeito de trabalhar a dor para aguentar até o fim. Comecei a meditar. Usei todas as técnicas que aprendi. Principalmente as de respiração. Aumentei o nível de concentração e baixei o nível da contração. Com isso a gente ganhou algumas horas.

Eu fiquei ali na cadeira do lado, ora tentando ficar acordado, ora tentando dormir.

Lá pelas 7h00 do domingo, as contrações ficaram mais intensas e mais frequentes. Foi então que a dra. Ana Lucia chegou, me avaliou e disse que, pelo quadro, o bebê nasceria ainda naquela manhã.

As contrações foram piorando. E Rita começou a morder coisas para aliviar a dor. Tratei de ficar a uma distância segura.

Mordi lençol, travesseiro, meu próprio dedo…

Às dez da manhã entramos na sala de parto. Eu levava a minha câmera, pronto para fazer um grande documentário.

As contrações aumentaram muito. E os intervalos eram minúsculos. Não conseguia ficar deitada. Não entendo como alguém pode querer fazer um parto normal deitado. As lágrimas de dor escorriam pelo meu queixo. Sem exageros. E depois de um tempo comecei a urrar. O parto é uma experiência animal.

A barriga de Rita ficou com um formato muito estranho. Com uma ponta bem aguda do lado direito. Era como se um alien fosse sair por ali.

Diante do quadro, dra. Ana Lucia optou por uma cesariana.

O bebê, se não me engano quanto ao termo técnico, estava “defletido em segundo grau”. Acho que isso quer dizer que ele estava tentando sair com o queixo, não com o topo da cabeça. Eu continuava filmando tudo. Mas tremia como se estivesse sem camisa no polo norte.

Eu já estava há mais de quinze horas em trabalho de parto. A dor das contrações era tão grande que nem senti a agulha da anestesia.

E ela não é nada pequena. Dra. Ana Lucia ligou a música ambiente e ainda fez uma piada: “Eu demoro seis meses para ganhar a confiança de vocês, mas todo mundo se apaixona pela anestesista em dois minutos”.

Comecei a não sentir mais nada e um pano foi colocado na minha frente, cobrindo o espetáculo. Daí Torero foi para a frente do palco.

Não é fácil ser um câmera nessa hora. Há muito sangue e muita carne. Cirurgia não é algo delicado. Tem um certo ar medieval. Mas o que me fez tremer mesmo foi ver a ponta da cabeça do bebê saindo. Aí a câmera começou a balançar bastante. E quando o bichinho saiu inteiro… foi inacreditável. Soltei uns grunhidos horríveis de choro sendo contido. Parecia um porco selvagem.

O bebê foi levado para a enfermaria, eu fui ver como Rita estava e a câmera ficou filmando pés e paredes.

Eu ouvi um chorinho forte vindo de longe e confirmaram que era dele. Me deu um alívio! O pulmãozinho estava funcionando! Na mesma hora, começou a tocar Mozart na sala. Bem a música que eu mais gosto e ouvia muito durante a gravidez.

Fui até a sala em que o bebê estava sendo limpo. Ele já estava de gorro. Parecia bem saudável. Pintaram o pezinho dele e ganhei uma tatuagem no braço.

Depois trouxeram o bebê para que eu visse. Foi a melhor imagem da minha vida. O meu filho.  Aí as lágrimas jorravam descontroladas pelas razões certas. Eu estava preparada para ver um ratinho, porque na minha imaginação um bebê prematuro teria uma carinha estranha e caberia em uma mão só. Mas não. Eu achei ele lindo. Uma boquinha, um furinho no queixo… Eu queria poder pegar, cheirar, lamber minha cria. Mas só consegui dar uns beijinhos. Logo levaram ele para longe de mim.

O pequeno nasceu com 2,1kg. Terá que ficar na UTI por algum tempo. Ainda não sabemos ao certo quanto.

O duro é que ele fica longe de nós grande parte do dia. Há algumas horas estava dentro de mim, e agora está a três andares de distância.

Ele mal nasceu e já sentimos saudade dele. Pelo menos, já escolhemos seu nome: Matias.

Agora esperamos pelo segundo parto: o dia em que ele sair do hospital.


Pitaco na gravidez dos outros é colírio
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Barrigudos

Quem nunca deu pitaco na vida dos outros que atire a primeira pedra.

Mas, quando o assunto é gravidez, os palpites se multiplicam. Todo mundo tem alguma sabedoria secreta e incontestável. E o pior é que às vezes estas sabedorias dizem uma o contrário da outra.

Um exemplo disso é a preparação dos seios para amamentação. Alguns recomendam que se use bucha no bico dos seios e creme desde o início da gravidez, para dar uma calejada. Outros dizem que a bucha deixa o bico ainda mais sensível, e recomendam que você tome sol.

Hum… topless…

Como se isso fosse fácil! Na praia, você é presa. E na varanda do apartamento fica exposta aos binóculos indiscretos de adolescentes espinhentos.

Eu acho que o certo é o futuro pai fazer uma massagenzinha de vez em quando. Hein, hein?

Outra questão: o berço.

Já ouvimos pais dizerem que o melhor é deixar o berço do lado da cama nas primeiras semanas do bebê. Assim fica mais fácil ver quando há algum problema, pegá-lo quando ele chora, monitorá-lo, etc…

Por outro lado, há quem sustente que o melhor é deixá-lo dormindo no próprio quarto desde o começo, para que ele logo se acostume a dormir sozinho.

O engraçado é que as duas facções têm certeza absoluta de sua tese. São como os reencarnacionistas e os ressurreicionistas. Ambos pensam ter a resposta para a grande pergunta, mas só uma delas pode estar certa. Ou nenhuma.

E as fraldas então? Não existe consenso sobre a quantidade que devemos comprar de tamanho RN e P. Há quem diga que quase não se usa fralda RN. Um ou dois pacotes já seriam suficientes. Outros falam que você deve estocar fraldas como se fosse um Noé esperando o Dilúvio.

No caso, um dilúvio de cocô.

O mesmo acontece para as roupas. As quantidades e tamanhos de bodies e mijões indicadas são totalmente díspares. Ninguém se entende. É uma torre de Babel.

Estamos bíblicos hoje.

Falando nisso, há a questão do moisés. Existem os superdefensores e aqueles que falam que é algo inútil, um desperdício de dinheiro.

Para Moisés foi útil. Será que era uma cesta inflável?  

A questão mais polêmica é o tipo de parto. Há radicais dos dois lados.

Dos quatro. Temos os defensores da cesariana, os amantes do parto normal, os entusiastas do parto de cócoras e os fãs do parto na água.

É o tipo de assunto que eu nem consigo discutir com as pessoas. Cada um é tão seguro de sua posição que eles nem param para ouvir dúvidas, anseios, questionamentos… E eu fico com a impressão de que todo mundo só me fala o lado bom dos métodos.

São como muçulmanos, católicos, protestantes e judeus. Cada um acredita que a sua religião é a melhor. E as outras são crendices primitivas.

Os pitacos não são só sobre assuntos sérios. Há briga até no tipo de pijama que eu tenho que levar para a maternidade. Tem gente que diz que devo ter uma camisola bem larga. Outros falam que o certo é pijama com botões para facilitar a amamentação. E eu não tenho uma coisa nem outra.

Enfim, o que fazer com os pitacos?

A gente ouve tudo, mas no fim decide o que for melhor para a gente.